"O Dakar é a prova mais emblemática do todo terreno"

Episode 59 December 26, 2024 00:31:38
"O Dakar é a prova mais emblemática do todo terreno"
ACP - Automóvel Club de Portugal
"O Dakar é a prova mais emblemática do todo terreno"

Dec 26 2024 | 00:31:38

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Show Notes

Apaixonada pelo todo terreno e prestes a disputar pela primeira vez o Rally Dakar, Maria Luís Gameiro fala-nos do seu percurso na modalidade e dos principais desafios que teve de enfrentar para se impor num desporto maioritariamente masculino.

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Episode Transcript

[00:00:08] Speaker A: Sejam muito bem-vindos a mais um podcast do Automóvel Clube Portugal. Eu sou Francisco Gonçalves e hoje temos uma convidada muito especial, a piloto Maria Luís Gameiro, que tem dado grandes cartadas no mundo do todoterreno e que se está a preparar para uma, se não a prova mais exigente de todas, que é o Dakar. Maria, muito obrigado por ter vindo. [00:00:29] Speaker B: Obrigado, Rio, pelo convite. Obrigada, Francisco. [00:00:30] Speaker A: E vamos começar pelo início. Onde é que tudo isto começou? Como é que este sonho nasceu? [00:00:37] Speaker B: Não nasceu como a maioria dos pilotos que foi de pequenino, como o exemplo do pai. Infelizmente, o meu pai não gostava muito de automobilismo. E no meu caso em particular, já foi em adulta, quando conheci o meu atual marido, o José Gamaes. Ele praticava todo o terreno e eu assistia às corridas dele da parte de fora. Alguns, e estamos a falar em 2005, sais. E fui acompanhando, acompanhando, até que comecei a ter o bichinho de querer ir para dentro. Eu sempre gostei muito de conduzir, sempre foi uma paixão que eu tive, mas foi nessa altura que eu tive o contacto real com todo o terreno, como nós o conhecemos em Portugal. Foi nessa altura. [00:01:14] Speaker A: Onde é que se estreou? Qual foi a primeira prova e aos comandos de que carro? [00:01:18] Speaker B: Foi em 2009, numa corrida mítica para nós portugueses, que foi na Baja Porto Alegre, e foi com uma Nissan Navara da classe T2. Foi o carro que achámos mais oportuno para nos estrear na altura. [00:01:34] Speaker A: Como é que foi recebida neste mundo? Quais é que foram as principais dificuldades? E claro, tendo em conta que é um mundo dominado por homens, quais foram as dificuldades que teve a entrar? Como é que foi recebida? [00:01:48] Speaker B: Temos dois momentos diferentes. Temos este momento de 2009-2011, em que eu só fazia as corridas por Carolice. e honestamente sempre fui muitíssimo bem recebida, nunca houve nenhum tipo de problema. As pessoas nas assistências, o público, apesar que na altura as redes sociais não nos tornavam tão públicos como hoje, nos últimos dois, três anos em que eu já encarei as corridas de uma forma um bocadinho mais séria, sempre bem recebida. Peso embora aqui a colar com umas pequenas graças naturais da minha condição feminina. [00:02:25] Speaker A: Qual foi o maior contraste com esta entrada agora, salvo erro em 2022, que foi quando entrou... Sim, novamente. Novamente. Como é que é voltar depois de tantos anos? Porque deixando de conduzir pode-se perder ali alguma experiência? Perde-se tudo. Perde-se tudo. [00:02:46] Speaker B: Portanto, terciaríamos em 2009, ainda fiz algumas corridas em 2010 e muito poucas em 2011, depois veio a crise que todos nós conhecemos, não é? E infelizmente só foi oportuno voltar realmente no ano de 2022. O que é que eu encontrei em 2022? Os carros são completamente diferentes de serem conduzidos, a tecnologia é outra, o nosso campeonato está muito competitivo, eu creio que na década de 2010 as coisas eram um bocadinho mais ou menos profissionais. Agora, profissionalizou-se bastante. Os carros estão muito competitivos. Os pilotos também. Portanto, temos pilotos que encaram as nossas corridas de uma forma muito, muito profissional. E na primeira volta que eu tive era tudo muito mais relaxado, vamos dizer assim. [00:03:33] Speaker A: Passando para 2023, foi um ano positivo a nível de resultados. Qual foi a conquista que gostou mais de ter em 2023? [00:03:45] Speaker B: A conquista foi... O que é que eu lutei em Portugal, que foi uma conquista que pode parecer menor porque fui a única a concorrer lá nesse ano, mas eu creio que tem frutos para dar no futuro, que foi a taça feminina de todo o terreno. O que é que acontecia? Acontecia que até há muito pouco tempo as senhoras só podiam ser campeãs se conduzissem com uma copilota feminina, mas em Portugal nós não temos copilotas femininas suficientes para criar equipas. Infelizmente, as poucas que há ocorrem com os pais, ocorrem com os maridos e, portanto, são realmente muito poucas. E então sugeri à AFPAC, que felizmente aceitou fazer como em Espanha acontece, separar para poder também tornar a nossa condição feminina mais visível e poder, dessa forma, puxar mais senhoras para todo o terreno. E assim foi, em 2023 foi de facto campeã feminina portuguesa. Também, como eu percebi que o meu handicap, perante os outros pilotos portugueses, era muito grande pela experiência, porque a maioria deles são já praticamente profissionais e tinham muitos anos, então eu tentei que o meu handicap não fosse tão grande e fui fazer as corridas em Espanha e começaram-me a correr bastante bem. Terminei o campeonato espanhol o ano passado também com a taça feminina e não quero errar, mas creio que fico em oitavo ao geral. Este ano de 2024, entretanto, também já terminou o campeonato espanhol e português, revalidei as minhas taças femininas portuguesas e espanhola. Em Portugal já não fui única, pois tive de fazer esta última corrida para conseguir pontuar e então conseguir garantir o meu segundo ano consecutivo, o que é muito positivo, que esperemos que para o ano já não sejamos só três, já sejamos quatro ou cinco senhoras, espero que assim seja. No Campeonato Espanhol fiquei em terceiro lugar à geral. Estive praticamente para ser vice-campeã, mas com este projeto que já vamos falar a seguir, eu fui dar um pulinho a Marrocos e as corridas sobrepunham-se e tive que optar. Portanto, não fiz as corridas todas e por esse motivo não consegui o vice-campeonato. Mas ainda assim, um terceiro lugar à geral. Uma senhora portuguesa, os espanhóis ficaram todos... [00:06:03] Speaker A: E era isso mesmo que me ia perguntar, como é que esse contraste, porque agora já sabemos que temos mais algumas equipas que é a Portugal, ainda continua a ser reduzido no Campeonato Femenino, mas no Campeonato Espanhol há adesão, é maior espero? [00:06:15] Speaker B: É maior, é maior. Há muitas senhoras como pilotos, não tantas como copilotos, mas como copilotos há muitas senhoras o Campeonato de Copilotos Femeninos anda ao rubro. Nas senhoras somos umas 4 ou 5 em Espanha, como pilotos, o que também já é de se considerar. [00:06:35] Speaker A: Ótimo. Passamos agora para aqui um tema que acredito que anda a ser preparado há bastante tempo, que é o Dakar. Vamos enfrentar um desafio completamente diferente e que eu acredito, de toda a experiência que tenho acompanhado, que É provavelmente a prova mais emblemática do todoterreno e é uma prova que fez nascer muitas provas inspiradas nela. E como é que se prepara um Dakar? Como é que se toma essa decisão? [00:07:01] Speaker B: Eu ainda estou a aprender todo esse processo. Concordo, concordo com o Francisco. O Rally Dakar é uma das três ou quatro provas de automobilismo motorizado, estava a faltar aqui a palavra, de automobilismo motorizado mais emblemática, a par de uma ou duas da Fórmula 1, 24 Horas de Le Mans, o Rally Dakar é ao nível mundial uma das provas mais emblemáticas e é também, vendo-o de fora e daquilo que o António pôde pesquisar, das mais difíceis. não só fisicamente como psicologicamente e é para isso de facto que eu me estou a preparar. Surgiu no final do ano passado com o convite de uma equipa internacional que me lançou o desafio para integrar uma equipa que só tinha senhoras a correr no Dakar. e queriam que eu fizesse parte dessa equipa. Entretanto, o projeto deles seguia por ter um carro com 4x2, por duas rodas motrizes apenas. Eu vinha de condução e não tenho experiência, nunca fiz o Dakar, não é? Portanto, será a minha primeira vez. E a minha condução sempre foi de 4x4. E eles no início tinham-me dito que conseguiriam o 4x4, depois só conseguiriam o 4x2. Nessa altura, então, tomei a decisão de não fazer o Dakar de 4x2. Achei que era... Era demasiado arriscado, porque era a minha primeira corrida. [00:08:26] Speaker A: Uma grande diferença. [00:08:26] Speaker B: Uma grande diferença. Um 4x2 é um carro que pode ir até aos 200 km hora, não tem o limite dos 170 dos 4x4 e está tudo certo. Mas, só para dar um exemplo, se eu estiver a correr com o meu Mini e ele der um bocadinho de traseira, eu acelero, põe-o em direita, no 4x4, no 4x2, se eu fizer uma coisa dessas, estou a virada do avesso em menos de nada. E, portanto, chegámos à conclusão que seria, como equipa, que não seria o ideal para uma primeira vez. Mas, ainda assim, começou a haver o envolvimento de toda a equipa das pessoas de volta de mim, o público também. Então, próxima é Dakar, próxima é Dakar, começamos a pensar, bem, se calhar está na hora. Há 16 anos que não vai nenhuma senhora e pensámos que por que não voltar a representar as mulheres portuguesas no Dakar, a primeira vez na Arábia Saudita, que não foi ainda nenhuma. E foi por aí que começou. A preparação. Temos duas vertentes muito importantes, que é a física e a psicológica. A física estou, de facto, já há alguns meses a treinar-me. Obviamente que a minha atividade profissional não me permitiu até há muito pouco tempo estar tão focada nisso, mas agora nos próximos meses vou estar. Só faltam dois. Daqui a dois meses já temos o Dakar quase feito. [00:09:43] Speaker A: Mas Maria, deixa-me só interromper. A questão física, nestes últimos anos já tem sido uma base, Maria já tem feito o campeonato. [00:09:51] Speaker B: Tenho, mas é muito diferente. [00:09:53] Speaker A: Ou há algo extra para Dakar? [00:09:55] Speaker B: Há algo extra para Dakar. [00:09:56] Speaker A: É preciso dar mais um passo. [00:09:58] Speaker B: Um passo muito grande. Porque as corridas, quer portuguesas, quer espanholas, que são aquelas que eu tenho feito, são corridas de um, dois dias no máximo. E ao terceiro dia estamos a descansar. No Dakar estamos a falar em 14 dias seguidos com um apenas descanso e estamos a falar também em termos de quilometragem muito, muito diferente. Portanto, estamos a falar aqui, fazemos ligações de 20, 30 quilómetros. Em Espanha, às vezes, um bocadinho mais, 60, 70. No Dakar, que este ano não sabemos como vai ser ou no próximo ano, mas estamos a falar em centenas de quilómetros de ligações, em centenas de quilómetros de corrida e depois mais centenas de quilómetros de ligações. E, portanto, acho que fisicamente vai ser muito mais demanding, vai ser muito mais exigente. [00:10:39] Speaker A: É que é algo que às vezes nós não pensamos, porque nós pensamos, ok, é prova, a prova acaba e está tudo bem. Não, a prova acaba, mas depois é preciso levar o carro até ao bivuac, é preciso fazer... [00:10:47] Speaker B: O carro que é muito complicado, sim. [00:10:48] Speaker A: Essas deslogações contam todas, são quilómetros e é tempo dentro do carro e é cansaço, não é? [00:10:52] Speaker B: É um cansaço acumulado muito grande, que é aí que a parte psicológica vai ser muito importante, que eu também estou a tentar, com a ajuda, preparar-me para isso, porque realmente, depois de fazermos 300 quilómetros, e depois fazermos mais 400 em corrida, não é? Portanto, sobre stress e no contrarrelojo. Voltar a fazer mais uns 300 quilómetros, se for preciso, para voltar ao bivac deve ser muito, muito cansativo. Não tenho essa experiência, mas só de falar, praticamente, e daquilo que eu entendi na Arábia Saudita, estamos a falar em retas intermináveis. que pode ser mais fácil em termos de condução no trânsito, porque não há trânsito, mas é muito mais cansativo conduzir uma reta interminável do que ter fatores de distração e que nos obrigam a estar atentos. [00:11:39] Speaker A: Pois claro. Há de ser uma situação de desespero de estar a ver a linha de horizonte, penso eu. [00:11:44] Speaker B: E já completamente cansados, não é? E estamos a falar ao fim de, se calhar, 10, 12, 13, 14 dias. Exatamente. [00:11:52] Speaker A: Voltando um pouco atrás, a preparação física então, o que é que alterou nestas últimas semanas ou nestes últimos meses? [00:11:58] Speaker B: Tenho feito uma maior carga horária, tenho feito mais cardio, que era algo que eu não fazia. Eu já fiz atletismo quando era mais nova e, nessa altura, estava muito bem preparada, mas depois fiquei quase 30 anos sem fazer nada. E agora, quando a minha preparadora fizer-me dizer a Maria, vamos ter que correr, vamos ter que fazer o quê, Margarida? Correr. Eu detesto correr. E detesto porque não tenho cardio suficiente para ir na velocidade que eu gostaria. É isso que estamos a treinar. Estou a treinar essa resistência. [00:12:32] Speaker A: O espírito competitivo dos pilotos não é só dentro dos carros. Acredito que essa revolta com a corrida seja por causa de não ter o cardio que gostaria de ter. [00:12:43] Speaker B: Estou a força também, obviamente. Estou a aumentar a carga muscular, naturalmente, para me sentir menos cansada em trajetos tão longos e tão duros, porque, por exemplo, eu nunca fiz um dia inteiro de dunas. Fomos fazer, de facto, uma experiência agora para um primeiro approach para o Dakar agora a Morrocos, fizemos o rádio de Morrocos e a base de Morrocos e tivemos setores de 20, 30 quilómetros de dunas. O que eu gostei muito, diverti-me bastante, por acaso foi uma experiência muito positiva para mim. Mas quando me falam em 300 quilómetros, em dunas gigantes, é temeroso. Confesso que sinto algum respeito por aquilo que me espera. [00:13:33] Speaker A: E questões como, por exemplo, a desidratação? Em provas nossas, em provas, por exemplo, nacionais, esses temas não são tidos em conta porque são etapas mais curtas, são períodos mais reduzidos. Há alguma preparação extra em relação à alimentação? [00:13:51] Speaker B: Apesar que a parte de hidratação comecei já nas corridas em Portugal. Porquê? Porque como... Houve algumas corridas que para não ter aquela vontade natural de fazer o xixi acabava por beber menos água e bebendo menos água desidratamos e temos menos alerta e estamos menos capazes de fazer e de andar tão rápido e estamos mais propícios a cometer erros. E como aconteceu-me numa corrida em que eu já não me via água porque só tinha xixi para fazer e depois não conseguia pensar porque não conseguia travar com o xixi que tinha para fazer, eu procurei ajuda técnica, o que é que eu preciso fazer para que isto não me volte a acontecer. E, portanto, já tenho essa preparação de duas horas antes de ter de beber água, tenho de ir bebendo água continuamente, não posso sentir sede. Portanto, tenho esse tipo de preparação já para as corridas em Portugal. Para o Rally Dakar vai ser um desafio ainda maior, porque vão ser muito mais horas. Acredito que não vai ser fácil, mas é algo que vou ter que ficar atenta. O que também não vai ser fácil, porque durante o dia, nós aqui temos dois dias em que temos setores mais pequenos, em que eventualmente até nos podemos alimentar pelo meio. ali vamos ter que recorrer muito aos gelos, àqueles suplementos de alimentação mais rápida, mas eu vou, para mim, este primeiro da cá vai ser também para mim um estudo em relação a isso. [00:15:20] Speaker A: Claro que sim, claro que sim. Maria, há pouco falávamos sobre as diferenças técnicas, porque muitas vezes perguntam-nos relativamente aos carros. A Maria está habituada e nós conhecemos o Mini, que é um carro que está completamente adaptado, que já tiveram ótimos resultados. Qual é a diferença de passar deste 4x4 para agora este Buggy, este SSV, que vai utilizar e que já experimentou nas dunas, portanto já nos consegue dar aqui feedback de piloto? [00:15:47] Speaker B: É completamente diferente. É completamente diferente. Obviamente que eu tenho mais experiência pelo Mini. A primeira diferença que eu senti logo foi a física. O MINI é um carro muito mais exigente fisicamente, também como é um carro mais rápido. De facto, temos que ter uma maior força para todos os movimentos que o carro faz. A segunda é logo a questão do peso. Estamos a falar de um carro com mais de duas toneladas. Um buggy ou um SSV será menos de uma tonelada ou novecentos quilos, depende agora de cada marca, mas aquilo que eu vou levar será provavelmente menos do que a tonelada. É mais fácil. Porquê? Porque se atascar nas lunas é metade do que eu tenho que cavar à partida. Será mais fácil também conseguir tirá-lo se ele ficar atascado. No entanto, ainda estou a aprender a ter segurança na velocidade. Porque para mim era... os 170 km hora que eu podia dar no mini não me assustavam tanto. Às vezes o 135 que eu posso estar no SSV é tão pequenino que a velocidade se sente de uma forma diferente. Mas é mais fácil de conduzir, é um facto. Eu conduzi agora há pouco tempo dois tipos de SSVs, um com mudanças, que foi como fiz o rally de Marrocos, e agora nesta última corrida em Portugal, portanto num Can-Am que não tinha mudanças, era só acelerar e travar, São diferentes, há tensões, temos de ter diferentes, este de acelerar e travar, temos de ter atenção às correias, para não as estragar, o outro temos de ter atenção, para não estragar também, porque são de patilhas, são mudanças de patilhas, e portanto é muito fácil de pôr e tirar, mas temos de ter cuidado para não exagerar, não partir a caixa de velocidades, porque aí o problema é maior do que uma correia. Mas são carros bastante diferentes na condição, na velocidade, no peso, na exigência física. Esse é um dos motivos pelos quais eu também vou de SSV ao Dakar. Portanto, depois daquele convite que me fizeram, então que carro é que vamos levar? O Mini é meu. Achámos que não fazia sentido, não só pelo fator económico, porque é um carro, de facto, de uma exigência económica para fazer um Dakar muitíssimo elevada, E depois também a questão de preparação que seria necessária e da facilidade. O Dakar é uma corrida muito difícil, é muito desafiante. Ir uma primeira vez para uma situação destas, com um carro logo muito difícil, achámos que não seria prudente e então vamos com um side by side, um buggy. Quem já fez, os espíritos portugueses que já tinham feito, todos me aconselharam a começar por aí. [00:18:30] Speaker A: Vamos ter, então, novos terrenos e um novo carro. Portanto, temos aqui um duplo desafio. [00:18:36] Speaker B: Um triplo desafio, que será o carro, que é completamente diferente, os terrenos, que são completamente diferentes, portanto a areia e o deserto. Eu costumo separar a areia do deserto porque é para, apesar de a areia também seja desértica, mas quando falamos em deserto é aquela terra interminável, as pedras... Roxas, portanto estamos a falar de deserto, não é só areia. [00:19:00] Speaker A: Nós acompanhamos sempre imensos furos, imensos terrenos que muitas vezes cá nem nos preocupamos com isso, mas estão lá pedras. [00:19:07] Speaker B: É muito inóspito as zonas por onde vamos e depois o fator da dimensão da corrida, em números de quilómetros, o fator do cansaço, são muitos dias seguidos e, portanto, tudo isso, estas três condicionantes vão ser o estar fora de casa, não é? Porque Portugal-Espanha está aqui ao lado e nós sabemos que qualquer coisa... dominamos a língua, dominamos... somos europeus e, portanto, temos formas de pensar semelhantes, o ambiente. E a Arábia Saudita vai ser um desafio também por isso. Vou colocar aqui quatro desafios, não é? O carro, o terreno, a prova em si e o país onde vai acontecer. [00:19:47] Speaker A: Maria, há pouco falávamos de questões técnicas dos SSVs que conduziu. um ser automático ou ter ali a questão... o automático ter a questão das correias. Maria estava a falar com propriedade. A questão mecânica é algo que tem de dominar para poder participar na prova ou por outra? Com este novo carro vem o manual de instruções que a Maria teve que estudar para se poder desenrascar numa situação de avaria ou é algo que faz parte da formação? [00:20:15] Speaker B: Ainda não veio? Mas vai ter que vir. Ou seja, o carro que vou conduzir é um carro novo desenvolvido pela X-Ride. Eu própria ainda não o vi e vamos ter que fazer exatamente uns dias de treino mecânico porque há uns básicos que nós temos que fazer porque senão ficamos no meio do deserto. Se eu tiver um acidente ou partir uma peça que possa ser reparável, se eu não souber fazer, eu fico, de facto, lá para o dia seguinte e é algo que nós não queremos que aconteça, não é? Portanto, é um dos desafios também do Dakar, mais do que correr rápido e ser a primeira a chegar ao fim, é conseguir, que vai ser esse o meu propósito, vai ser conseguir levar o carro até ao fim e para isso vamos, certamente, ter muitos problemas mecânicos e eu e o meu co-piloto vamos ter de estar preparados para os resolver. [00:21:07] Speaker A: Esperemos que corra tudo bem e vai correr certamente e vai nos contar como foi a experiência agora vamos passar aqui para outra parte que para além do piloto temos aqui uma questão profissional que para muita gente nem se apercebe disso, mas a Maria não é piloto full-time, ou por outra, pode ser piloto full-time, mas também tem um trabalho. Como é que se concilia estes dois mundos que são bastante diferentes? [00:21:34] Speaker B: São muito diferentes. Tenho conseguido conciliar até há muito pouco tempo. Tenho várias empresas que giro, mas só consigo fazer as corridas com apoio, com backup. Portanto, tenho... No caso em concreto, o meu marido. [00:21:50] Speaker A: Era outra pergunta que ia fazer. Quem é que ajuda? Porque é impossível fazer isto sozinha. [00:21:53] Speaker B: É impossível fazer isto sozinha. O meu marido, de facto, ajuda-me. Ele correu até ao ano passado. E aí conseguimos correr os dois, digerir as empresas, os dois fazendo as corridas em Portugal e a Espanha. Também temos, naturalmente, pessoas nas empresas de confiança que nos ajudam com as pequenas coisas do dia-a-dia, aquelas mais emergentes. Mas as decisões maiores nós conseguimos fazer os dois. Com este projeto do Dakar, eu tive que delegar ainda mais. Efetivamente, a preparação física, o ir para o ginásio, as deslocações, portanto, tudo isso obriga-me a ter mais tempo dedicado à preparação e toda a parte logística que é necessária fazer até chegar ao Dakar. E aí o meu marido, de facto, deixou de correr e assumiu o papel de Team Manager. Uma situação diferente, porque há outras que são tão difíceis, como a do marido e do team manager. [00:22:49] Speaker A: Felizmente é uma situação que está resolvida. [00:22:52] Speaker B: Está resolvida e está a correr muito bem. De vez em quando discordamos, o que também faz parte, mas conseguimos gerir bem quando isso acontece. Ele tem feito um trabalho realmente fantástico no apoio às empresas e tem também mais algumas pessoas em cada uma delas que asseguram também todas estas necessidades das empresas do dia-a-dia, que assim é. Sem esta equipa não seria possível, não seria possível. De facto, a preparação para uma corrida desta dimensão obriga-nos a estar muito focados, a despender muito tempo E as empresas aguentam fins de semana ou mais um ou dois dias, mas não aguentam dois ou três meses de ausência de quem as possa gerir. E aí tem, de facto, esta equipa fenomenal, encabeçada pelo meu marido, que me apoia. [00:23:40] Speaker A: Descobrimos, então, o segredo que está por trás do piloto, que é uma grande equipa, então. [00:23:46] Speaker B: É uma grande equipa, é verdade. E aí temos, do ponto de vista profissional, de facto, o José Gamay, meu marido, e todas as pessoas das empresas que o apoiam também. Temos também, do ponto de vista da preparação, que não nos podemos esquecer que eu não estou sozinha, tenho alguém que me ajuda ao nível físico, tenho alguém que me ajuda ao nível psicológico. Portanto, a parte da nutrição que temos que ter atenção, porque não é só lá que eu tenho que ter cuidado, tenho que ter cuidado já o ano inteiro para conseguir chegar lá na melhor performance física. E depois temos também o apoio, porque muitas vezes nós, os pilotos, somos a face visível das corridas, mas temos outra equipa. Eu tenho um copiloto que, sem ele, eu não chego ao lado nenhum e, em particular, no Dakar, o José Marques vai ser muito importante para me fazer chegar ao fim. Portanto, somos tal como uma equipa dentro do carro e depois existe a equipa fora do carro, toda a parte mecânica, os engenheiros, portanto, toda a parte logística, que sem essas equipas de backup, nós pilotos de automóveis não somos ninguém. Portanto, quando nos veem e às vezes até perguntam-nos porquê é que é um desporto tão caro, é de facto porque nós somos a face visível de uma equipa muito grande e de uma logística muito grande que existe por trás de nós. [00:24:59] Speaker A: Claro que sim. Maria, muito rapidamente, quem ou se tem algum ídolo, atleta, piloto, em que se inspira ou porque gosta da mensagem, tem algum ídolo que siga esse modelo? [00:25:16] Speaker B: Honestamente, tenho vários, ou temos vários, não tenho assim... Posso dar um ou dois nomes clichês, porque sou senhora. Obviamente, ao nível de todo o terreno, temos uma Jutta Kleinschmidt, que conseguiu ser a primeira senhora, e única, até hoje, a conseguir ganhar uma corrida como o Rally Dakar. Obviamente que foi a única até hoje também, porque eram poucas, e eu quero acreditar que quando formos muitas, a probabilidade de alguma conseguir atingi-lo seja maior. [00:25:47] Speaker A: Caminhamos para lá. [00:25:48] Speaker B: Caminhamos para lá. Temos o Michel Mouton, que não ao nível do terreno, mas ao nível dos ralis, é uma grande referência. Ao nível do terreno, também temos... Tem o campeão nacional, o João Ferreira, que está neste momento com um percurso fabuloso e que é de seguir naturalmente e internacionalmente. Talvez a Nasser Al-Attiyah, que é o campeão neste momento e é um piloto que, de facto, admiro porque ele pega no carro que pegar, na marca que pegar. É muito eclético a esse nível e consegue ter prestações fenomenais. Não consigo eleger um, são vários. [00:26:25] Speaker A: É a prova de que muitas vezes ouvimos que o carro faz o trabalho todo. [00:26:30] Speaker B: No caso do Nasser, em particular, não faz o trabalho todo. É preciso ter mãozinhas. Foi muito engraçado, numa última corrida que tivemos juntos, ofereceu uma das luvas dele e disse, tu vais com a direita, eu vou com a esquerda e vai correr bem. Não correu assim tão bem, não me deu tantos quilómetros. como seria desejável, mas ainda assim foi um momento muito divertido. E ele também é um piloto muito carismático, porque temos muitos bons pilotos. E não vou falar dos portugueses, que é para não ferir de suscetibilidade ninguém, até porque o João, em particular, tem sempre um sorriso no rosto. Mas, ao nível internacional, a maioria dos pilotos vencedores são sisudos e o Nasser vem aqui um bocadinho mudar, porque está sempre com um sorriso e tem uma aproximação ao público muito grande. E eu gostaria que o meu papel no todo o terreno fosse não só dinamizar a parte feminina, que obviamente eu gostaria... que obrigatoriamente tenham que haver mulheres, mas acho que é muito mais interessante nos desportos todos haver uma maior mescla, acho que todos ganhamos. [00:27:35] Speaker A: É natural. [00:27:35] Speaker B: E é natural. Mas também a dinamização do nosso desporto motorizado, que é o todoterreno, que tem cartas para dar, tem que ser bem comunicado e há coisas que precisam de ser melhoradas, mas eu acredito que o futuro seja promissor para este desporto. [00:27:55] Speaker A: Esperamos e caminhamos para lá. Maria, rapidamente, e para fecharmos, o ano começa com o Dakar? [00:28:03] Speaker B: O ano vai começar com o Dakar. [00:28:04] Speaker A: E depois do Dakar, o que é que esperamos? [00:28:08] Speaker B: Tem, eu sei. Eu tenho o Mini, quero voltar para o meu Mini, onde neste momento está na Alemanha, com a equipa X-Ride, portanto está lá muito bem cuidado. É nosso projeto, quer da X-Ride, quer também da minha equipa, fazer algo com ele. Não sabemos ainda se é ao nível internacional, se é ao nível nacional. Estamos a estudar e muito honestamente não temos ainda nada muito definido. eu gostaria de poder ir mais além do Campeonato Nacional. [00:28:44] Speaker A: Esperemos, esperemos que sim. A Maria está a trabalhar para isso. Não sei se deixei aqui algum ponto por abordar, agora relativamente ao Dakar, não sei se deixei aqui alguma mensagem. [00:28:54] Speaker B: Podemos dar aqui uma última nota, já agora. O que é que eu gostaria de dar em relação à minha participação na CAR? Eu vou, como todos os pilotos, com grande expectativa e com uma expectativa extra de chegar ao fim. [00:29:06] Speaker A: Só uma nota, Maria. Onde é que podem acompanhar? Aprova as suas redes sociais? [00:29:10] Speaker B: As minhas redes sociais, Maria Luís TT, no Facebook também, Maria Luís Gamaio, portanto é fácil encontrar-me e vão conseguir acompanhar. Eu vou tentar colocar todos os nossos seguidores o mais a par possível desta aventura, porque também para mim vai ser uma aventura. E há a crescer esta aventura. Decidimos, enquanto equipa, fazer uma ação social. Porque o meu carro é magenta cor-de-rosa e durante o ano senti muitas senhoras, mais senhoras do que senhores, apesar que o drama de que eu vou falar não é necessariamente só feminino, é masculino também, a aproximarem-se a mim pelo facto de, ai, eu tive cancro da mama e estão ligados, pela cor do carro. Não era esse o motivo, é porque muitas das nossas marcas de facto têm aquela cor. mas começámos a perceber que havia uma grande empatia desta causa para comigo e para com o meu carro. E então decidimos que para puxar também um pouco o público para este evento do Rally Dakar, mesmo aquele que não acompanha tanto e que não está tão ligado ao desporto motorizado, Propusemos a que cada quilómetro que eu conseguir fazer em setor seletivo nesta corrida, vamos doar um euro para a Liga Portuguesa contra o Cancro. Esperamos com isto não só poder ajudar, mas dinamizar e eu muitas vezes digo, se com esta ação, Isto foi falado agora no mês de outubro, ano passado, em que estava toda a gente muito mais alerta, porque era o outubro rosa, agora este mês de novembro também o novembro azul, no caso em particular dos senhores, mas em janeiro toda a gente vai estar a pensar como é que vai ser o ano seguinte e se houver uma quantidade de pessoas que possa fazer o seu próprio rastreio e cuidado com a sua saúde. E se com esta ação eu conseguir que só uma pessoa identifique antecipadamente o seu problema e salve por isso, já acho que vale a pena. [00:31:03] Speaker A: É uma excelente iniciativa e é uma das partes fundamentais do desporto automóvel cultivarmos estas iniciativas. Espero que não só por isso faça todos os seletivos completos para termos o máximo de quilómetros. e também, obviamente, a maior das sortes para esta grande prova que vai enfrentar agora. [00:31:20] Speaker B: Muitíssimo obrigada. [00:31:21] Speaker A: Muito obrigado. Obrigado também a quem nos está a ouvir e já sabem, se quiserem ouvir este ou mais podcasts, podem ir às nossas redes sociais, ao nosso site e ao Spotify. Muito obrigado.

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August 21, 2024 00:05:52
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Mecânica em dia: para que serve o filtro de partículas?

Crucial para a redução das emissões, o filtro de partículas tornou-se num componente omnipresente em todos os motores a combustão, consumam estes gasóleo ou...

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Episode 21

February 08, 2024 00:25:46
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André Sousa “viajo para conhecer pessoas, não destinos”

Antes de partir para estrada para mais uma volta ao mundo, André Sousa falou-nos das suas aventuras.

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