Episode Transcript
[00:00:02] Speaker A: Viajar é para todos é um podcast do Automóvel Clube Portugal que vem mostrar que viajar é mesmo para todos, independentemente das condições e características de cada um. Eu sou a Sofia Martins, sou autora do blog Just Go By Sofia, Sou paraplégica, adoro viajar, já visitei mais de 40 países e concretizei o sonho de dar uma volta ao mundo. Aqui trago convidados com outras visões e outras necessidades, esperando contribuir para que outras pessoas descompliquem na hora de escolher o destino e partir. Este podcast tem o patrocínio da Max Finance.
O meu convidado de hoje é o António Raminhos. Olá, António. Muito obrigada por teres aceitado este convite.
Vamos fazer o check-in?
[00:00:48] Speaker B: Vamos sim, senhora. Vamos fazer.
[00:00:50] Speaker A: E para onde é que vamos?
[00:00:52] Speaker B: Eu tinha aqui dois destinos. Costa Vicentina, Vila Nova de Mil Fontes, ali para o Almogravo, que é um sítio da minha infância.
[00:01:01] Speaker A: Maravilha.
[00:01:02] Speaker B: Ou então para um sítio um bocadinho mais longe, mas não é muito mais. É quase ali ao lado, Tóquio.
[00:01:09] Speaker A: Tóquio.
E se tivesses mesmo que escolher, para qual é que ia?
[00:01:13] Speaker B: Vamos para Tóquio.
[00:01:13] Speaker A: Vamos para Tóquio, então. Vamos embora. Para mim, maravilha.
Bem, nem sei como fazer uma apresentação de uma pessoa que não precisa de apresentações. O António é humorista, ator e autor do podcast Somos Todos Malucos, onde aborda o tema da saúde mental.
Aos 26 anos iniciou um processo de acompanhamento e ajuda para lidar com as suas crises de ansiedade, de medo e da sua perturbação obsessiva compulsiva.
Espero que esteja tudo bem.
Aqui com a minha apresentação.
Vamos começar com as viagens. Como é que são as tuas viagens? Para onde é que costumas ir? Os teus destinos preferidos?
[00:01:57] Speaker B: As minhas viagens dividem-se de duas maneiras completamente diferentes. Viagens em família e viagens sozinho.
Viagens em família é o caos.
É muita confusão.
Porque somos cinco lá em casa, não é?
A miúda mais velha está na adolescência, tem 14, mas a pequenina ainda é muito pequenina.
Mas a logística obriga a que as coisas às vezes sejam muito planeadas. A minha mulher adora viajar. Eu também gosto de viajar. Mas a minha mulher, eu basta dizer vamos, ela ainda não ouviu o destino e já está a sair de casa.
E então...
Gostamos de ir com as coisas, fazemos muitos destinos de uma semana, uma semana e meia, mas sítios que não conhecemos. E cidades. Então obriga a um planeamento de sítios por onde passar. Então eu e a minha mulher somos agentes turísticos de três crianças, porque basicamente planeamos os sítios. Por exemplo, o ano passado, nós viajamos sempre antes do Natal. E o ano passado fomos a Miami, fazer a esquice.
[00:03:05] Speaker A: Sim.
[00:03:05] Speaker B: Ah, maravilhoso. As ilhas. Foi muito engraçado. Mas tivemos que planear tudo. Nós não gostamos... Primeiro porque sai mais barato do que se for com mais gente, não é?
[00:03:13] Speaker A: Claro.
[00:03:13] Speaker B: E então planeámos. Temos que planear os hotéis, planear os dias que vamos ficar aqui, ver os sítios onde possamos ir comer porque, como são crianças, às vezes são mais esquisitas para experimentar comidas. Então temos que ter ali uma opção que permita, se não quiserem ir a um sítio, que a gente possa ir todos a outro.
Se bem que no meu templo, e no teu provavelmente, era gente que vinha que nos punhou na mesa. Lemos muitas opções às crianças. Então temos sempre tudo muito planeado. Quando sou eu a viajar sozinho, a única coisa que eu pesquiso são restaurantes vegetarianos.
[00:03:47] Speaker A: O resto é aventura?
[00:03:48] Speaker B: O resto é na rua.
[00:03:49] Speaker A: Tu vais sozinho, vais em trabalho?
[00:03:50] Speaker B: Geralmente em trabalho. A vez que viajei sozinho mais tempo foi exatamente para Tóquio. Eu estive lá 13 dias, a primeira vez que fui a Tóquio. Claro que eu planeei mais...
do que queria ver, também aquilo que queria ver, mas mais do que isso eu planeei de modo a estar mentalmente tranquilo, porque viajar sozinho é um fator de ansiedade, podia estar menos calmo nesses momentos e podia-me despertar também ali algumas obsessões e manias fruto dessa ansiedade. Então eu planeio simplesmente para estar à vontade.
Mas a partir do momento em que estou à vontade gosto só de andar pela rua, sentir-me quase um local.
[00:04:32] Speaker A: Sim, é como eu, gosto de me misturar com a população, não é?
[00:04:36] Speaker B: Sim.
[00:04:36] Speaker A: Ver como é que eles vivem e como é que eles comportam dia a dia.
[00:04:40] Speaker B: Há muitos anos fui ao Rio de Janeiro e a São Paulo, fui atuar.
Foi para aí em 2016, se não me engano.
E fui lá atuar e estava sozinho no Rio de Janeiro e em São Paulo.
E no Rio, tendo em conta que também são cidades um bocadinho perigosas, não é?
Sim. Eu no Rio de Janeiro estava num sítio bom, que é o Leblon, Foi.
[00:05:01] Speaker A: Onde eu fiquei também.
[00:05:02] Speaker B: Fiquei tranquilo. Fiquei na casa de um amigo meu. Estava sozinho lá porque a casa era dos pais e eles não estavam lá e eu fiquei sozinho numa cobertura. Portanto, a casa lá em cima. Fino.
Mas eu andava na rua. Não andava como turista. Andava como brasileiro. Calções, chinelos havaianos, manga cava.
um telemóvel da treta que tinha e comparava ao jornal o Globo.
Baixo do braço. Ia tomar uma pequena almoça, um café e pronto.
[00:05:31] Speaker A: E ninguém se metia contigo.
[00:05:33] Speaker B: Não, mas eu realmente passava muito despercebido.
Mas mais do que isso, como é que os americanos dizem, o blending, o misturar, o misturar com as pessoas.
[00:05:43] Speaker A: Sim, é o que nós dizemos. Falaste também das tuas crises, da tua ansiedade, do teu medo, da tua perturbação obsessiva-compulsiva. Como é que isso te afeta em viagem?
[00:05:57] Speaker B: Afeta, sim, afeta.
[00:05:59] Speaker A: Se calhar fases, não é? Deve haver fases.
[00:06:01] Speaker B: Afeta de duas maneiras diferentes.
Pode afetar no sentido de ser um sítio em que supostamente eu teria que estar feliz ou deveria estar feliz.
Mas as pessoas que lidam com a ansiedade geralmente funcionam em dois polos.
Ou no passado, não é? A rever a vezes e vezes sem conta coisas que deviam ter dito ou ter feito de modo diferente, o que ficou por fazer, o que ficou por dizer, o que é que fiz de mal. Ou está no futuro. A rever modos de evitar problemas, evitar situações, a prevenir dano.
Nunca está num sítio onde nós podemos realmente estar mais à vontade e tranquilos que é, embora isto seja quase uma frase feita, que é o presente. É estarmos no presente.
E então, como já são tantos anos de uma cabeça sempre a pensar em coisas e a pensar em tragédias, se eu estou num sítio onde supostamente devia estar feliz, é como se eu estivesse a dizer, bem, está tudo bem. Se está tudo bem quer dizer que alguma coisa está mal.
[00:07:01] Speaker A: Algo de mal vem aí.
[00:07:02] Speaker B: Claro. E então fico muito hesitante e à procura quase de forma inconsciente de coisas para estar desconfortável. E então tenho que aprender a lidar com isso. E lido hoje muito melhor do que lidava.
Ou então, por exemplo, desta vez que eu fui ao Japão, a Tóquio, com a família toda, exatamente pela preocupação de organizar a viagem, o cansaço e a ansiedade podem vir dessa preparação, que é uma logística muito grande.
[00:07:34] Speaker A: Era isso que eu tinha a perguntar. É pior quando estás sozinho ou é mais fácil quando estás... São diferentes.
[00:07:40] Speaker B: São registros diferentes. Porque o sozinho, às vezes, o que faz é que eu não tenha um suporte.
Tenho que lidar com as coisas sozinho. Sim, mas por um lado também é bom, não é? Mas quando estou acompanhado tenho ali um suporte ou tenho distrações, não é?
E há mais aquela coisa de...
No meio da confusão uma pessoa acaba por tomar conta do que é real, só. Mas depois de lá está quando estou também acompanhado Há essa questão do cansaço normal das férias.
Não é um ditado. Alguém, eu já vi isto na net, que os pais não têm férias. Os pais vão tomar conta dos filhos noutra localidade.
E basicamente é isso que acontece. Os pais vão tomar conta dos filhos noutra localidade. Não têm férias. Tanto que é o clássico. Nós quando temos férias ou vamos passear, quando voltamos eu e a Catarina precisamos para ir 3 ou 4 dias de férias. Ou elas vão para a avó ou ficam na casa de uma amiga, pelo menos ali dois dias, para nós termos ali um momento de estarmos só os dois.
[00:08:40] Speaker A: Olha, mas explica-me um bocadinho. Estamos aqui a falar, não sais, de três coisas diferentes? Ansiedade, medo, perturbação obsessiva-compulsiva ou mistura-se tudo?
[00:08:51] Speaker B: Mistura-se tudo.
Porque...
A Disturbação Obsessiva-Compulsiva, para quem não sabe o que é, é também conhecida como a Doença da Dúvida. A minha cabeça coloca-me dúvidas, que eu sei à partida que não são reais e que não fazem sentido, mas como causam um desconforto tão grande, uma ansiedade tão grande, eu assumo que elas são reais, ou o meu corpo, ou a minha mente assume que elas são reais.
E ao assumir que são reais, tornam-se uma fonte de preocupação. E se tornam fonte de preocupação, causam ansiedade. E então a ansiedade...
A compulsão, que é um efeito da perturbação possível compulsiva, portanto as tais manias, são o resultado de uma tentativa de reduzir essa ansiedade. Por exemplo, aquelas pessoas que estão sempre a acender e apagar a luz. As pessoas que verificam o gás.
Fica ali preso numa roda a verificar o gás.
A psicologia e a ciência o que diz é que, por exemplo, um comportamento destes pode ter uma componente genética no sentido de, e eu noto isso, os meus processos neuroquímicos e dos neurotransmissores é como se a informação fosse um disco arriscado e é uma sensação tipo de não alívio, parece que a coisa não está bem feita ou que não me sinto confortável com isso. Mas depois há a parte comportamental que é a pessoa estar... Vou ver se o gajo está fechado. Está mesmo fechado.
Ok, está fechado. Vou-me deitar.
E se afinal eu vi mal? E levanta-se e vai outra vez. Não, agora carreguei mesmo, está mesmo fechado. E vai-se deitar. E se agora, por ter carregado, afinal ficou aberto tanta vez que eu carreguei? Ou seja, tudo isto parte desta pergunta mágica.
que lixa a vida a qualquer pessoa, que é o e-se. E todos nós temos dúvidas, faz parte da nossa vida. Isto é quase uma dúvida patológica.
Que, certamente, se calhar tu também já tiveste pensamentos idiotas, pensamentos de e-se, que não te fazem sentido, mas uma pessoa dita, eu não queria dizer normal...
[00:10:56] Speaker A: Consigo controlá-los.
[00:10:57] Speaker B: Não é que estou controlando, liga-se. Tipo o Odissey, aquele, apa, que parvoliço. Por exemplo, quase toda a gente, nós os três que estamos aqui no estúdio, de certeza que todos nós já pensámos em empurrar alguém para a linha do comboio.
Nunca pensaste...
[00:11:12] Speaker A: Empurrar alguém para a linha do comboio.
[00:11:14] Speaker B: Não é... Há uma diferença muito grande entre empurrar, entre pensar...
[00:11:19] Speaker A: Eu percebo.
[00:11:19] Speaker B: E sentir e querer.
[00:11:22] Speaker A: Sim, claro.
[00:11:23] Speaker B: Mas às vezes nós estamos na linha do comboio e pensamos assim... E se eu agora empurrasse este gajo?
E a maior parte das pessoas que pode ter este pensamento...
E se agora eu desse um murro numa pessoa?
Às vezes dá vontade.
[00:11:34] Speaker A: Sim, essa já.
[00:11:36] Speaker B: Pronto.
Mas às vezes nós pensamos isso e o que é que a pessoa diz antes? Oh pá, que pervoíce. E segue vida. Claro. Ou pode até ficar desconfortável. Ai que pervoíce, mas o que é que eu fui pensar isto?
[00:11:44] Speaker A: Claro, claro, claro.
[00:11:45] Speaker B: Mas fica por aqui.
Quem lida com uma perturbação obsessiva ou compulsiva, o processo começa exatamente aqui. Começa porque aquele pensamento traz desconforto e a pessoa começa. Porque é que eu pensei nisto?
O que é que isto quer dizer de mim? Será que eu seria capaz de fazer isto? E se eu vou alguma vez fazer isto? E se eu pensei isto, quer dizer que eu posso fazer.
E isto é uma bola de neve. Pode ser com qualquer coisa. Porque parto desta premissa do e se e de uma dúvida. A nossa vida, eu acredito que a nossa vida, ninguém controla a vida.
Nós temos uma expectativa de controle.
Nós saímos de casa, sabemos o que é que vamos fazer, temos o nosso dia planeado, as pessoas que vamos chatear, se é o que queremos, mas Ao mesmo tempo que temos isto tudo, todos nós recebemos más notícias. Um telefonema que não queremos, alguém que teve um acidente, quer que seja, não é?
E isso não estava planeado.
Mas elas acontecem.
E é este 0,1% que está presente na cabeça de uma pessoa com uma perturbação obsessivo-compulsiva, está presente na forma dessa pergunta mágica que é, e se?
porque eu nunca vou ter a certeza de nada.
Por muito idiota que seja. E aí isso relaciona-se com os medos, porque isto parte tudo dos medos. Por exemplo, agora varia muito, tenho medos de contaminação. Eu tive muito, na minha adolescência, medos de contaminação. Se eu tocar aqui, quem é que tocou aqui, vou num autocarro, tenho um golpe na mão, agarrei no... Sim, eu.
[00:13:13] Speaker A: Ia te perguntar a questão da limpeza, não é? Porque em viagem isso coloca-se muito.
Por exemplo, eu entro num avião e penso na limpeza do avião, porque passam ali muitas pessoas.
[00:13:27] Speaker B: Sim, mas é uma coisa que te incomoda e até pode estar desconfortável no teu sítio, mas passa.
Não te causa o desconforto que causa se calhar a outra pessoa que fica o voo inteiro de 14 horas a pensar nisso.
e que se calhar tem que sair dali, sentir a necessidade de tomar um banho. E não é tomar um banho para relaxar, e até se pode sentir porca por ter estado ali, mas é uma necessidade, porque se não fizer aquilo, algo vai acontecer e vai apanhar uma doença ou vai morrer ou whatever. Isso é o que eu costumo dizer. Todos nós temos, lá está, pensamentos obsessivos. Todos nós podemos ter pensamentos de, muitos amigos meus dizem assim, ah, eu também sou obsessivo ao compulsivo, Porque eu gosto de arrumar as minhas meias todas em degradê, por cores. Eu digo, sim.
Agora a grande diferença é, se eu for lá e desorganizar as meias todas, com o que é que tu sentes em relação a isso? Se eu me disser nada, vou-me manter à merda.
E meto as meias outra vez, mas ou não. Agora se a pessoa disser não faças isso porque isso vai me deixar muito desconfortável, aqui se calhar já entram no registro de preocupação. A diferença é sutil porque é basicamente a importância que nós damos às coisas.
Uma coisa que uma psicóloga diz muito básica e que é também comum na maior parte dos psicólogos é esta questão de nós não somos os nossos pensamentos, nós não somos aquilo que pensamos. Há estudos que dizem que nós temos uma média de, já ouvi várias referências, tipo 10 mil pensamentos diários, 20 mil, 30 mil, não interessa. Em 30 mil pensamentos há muita porcaria que vem à nossa cabeça.
Mas eles vão e vêm. Nós não os controlamos. Até podem ser pensamentos pecaminosos, violentos. Mas são só pensamentos. A nossa cabeça é uma fábrica. A grande diferença é a importância que eu lhes dou. Se eu dou importância a um determinado pensamento, ele vai ganhar destaque.
E é como se eu tivesse a dizer ao meu próprio cérebro, olha, isto é importante esta informação.
Então, guardar aí, guardadinha.
E isto depois torna-se uma bola-neve, porque se eu evito uma cita, por exemplo, no autocarro, como estava a dizer, tinha cortes na mão, imagina, um puto te cortava a mão. Eu cresci nos Olivais. Nos anos 90, muitos toxicodependentes e agarrados andavam no autocarro.
E eu achava que, um dia, vejo um corte na minha mão e penso, estou agarrado aqui. E se alguém aqui esteve e tinha um corte na mão e agarrou exatamente no mesmo sítio que eu.
E se... Será que posso apanhar uma doença?
Será que... Isto é super elaborado, o pensamento. Mas a verdade, por muito irreal que seja, há um fundo, não é bem de verdade, mas de possibilidade. Pelo menos na minha cabeça.
E é este fundo de possibilidade, é este 0,1%.
[00:16:35] Speaker A: Fica aqui... Fica ali e custa sair dali.
[00:16:38] Speaker B: Às vezes é só o loop de... Eu quando comecei a fazer terapia aos 26 anos, mesmo já dedicado a este tema, mandei vir muitos livros da Amazon sobre a psicologia e perturbação obsessiva ou compulsiva de psiquiatras e psicólogos americanos. E foi muito engraçado ao mesmo tempo eu ver estudos casos iguais aos meus.
[00:17:00] Speaker A: Sim.
[00:17:01] Speaker B: Iguais. De pancadas, de coisas que eu achava isto é impossível que mais alguém esteja a pensar neste idiotice e vê histórias do género.
[00:17:08] Speaker A: Claro.
[00:17:09] Speaker B: Eu vi a história de um homem.
[00:17:10] Speaker A: Mas isso também te ajuda, não é?
[00:17:12] Speaker B: Ajuda a identificar, não é? Claro. A ter uma... foi aquilo que eu não tive, eu achava que era só eu, que era assim.
E ajuda a perceber que existem melhores pessoas assim, não é? E que faz...
Às vezes o importante não é tanto o pensamento, mas a fórmula. A importância que se dá ao pensamento. Esse é que é o core da questão. É a importância que se dá ao pensamento.
[00:17:40] Speaker A: E já tiveste alguma crise em viagem que te tenha marcado?
[00:17:46] Speaker B: Crise em viagem? Acho que já tive um ataque de pânico em Londres. Em Nova Iorque. Uma vez fui a Nova Iorque com a Catarina e acordei à meia-da-noite com um ataque de pânico.
Mas foi algo...
Eu acho que na altura consegui resolver, porque já não tinha sido o primeiro.
[00:18:02] Speaker A: Mas também não estavas sozinho. Se estivesse sozinho, seria pior?
[00:18:05] Speaker B: Talvez, eu acredito que sim.
Mas ao mesmo tempo, lá está, como não fui o primeiro, eu já sabia o que é que era aquilo.
[00:18:11] Speaker A: Sim, e já consegues.
[00:18:12] Speaker B: E então já sabia lidar com esse desconforto e ficava, ok, eu sei o que é isto, vou respirar fundo, vou ficar aqui um bocadinho e tal, e acabei por adormecer.
[00:18:21] Speaker A: Tu pensas nisso antes de partir em viagem? Condiciona a tua viagem ou já é...
[00:18:28] Speaker B: Às vezes os medos condicionam as minhas viagens. Por exemplo...
Eu, por exemplo, tenho pancadas com sítios antigos.
[00:18:38] Speaker A: Não gosto.
[00:18:39] Speaker B: Sítios, prédios muito antigos, por causa de os materiais que são usados, que podem ser tóxicos e perigosos e não sei mais o quê.
[00:18:50] Speaker A: Um incêndio vai mais rápido, não é?
[00:18:53] Speaker B: É mesmo tipo como, por exemplo, o que se vê muito aí, as telhas de fibra ou cimento, por causa do ambiente, que já tiveram até engenheiros do NEC em minha casa a conversar comigo sobre o tema, a dizer que as coisas não são bem assim. Claro que há um exagero do tema, como em tudo. Tudo que faz mal é exagerado, mas pronto.
Mas, por exemplo, isso, ou materiais muito antigos, faz muita confusão. Então, quando vou para uma cidade, às vezes vou ver no mapa O tipo de prédios que há. Pode condicionar os sítios por onde eu vou passar.
[00:19:30] Speaker A: E também condiciona a escolha do destino.
[00:19:34] Speaker B: Ah, sim. Há sítios que eu não vejo a ir.
[00:19:38] Speaker A: Como por exemplo?
[00:19:39] Speaker B: Para a Europa de Leste.
[00:19:41] Speaker A: Sim.
[00:19:42] Speaker B: Estás a ver, assim, Ruménias... Embora já fui à Hungria.
Já fui à Hungria, Bucharest. Muito giro. Bucharest, não. Budapeste. Porque este é Ruménia.
[00:19:50] Speaker A: A Europa é toda muito mais velha, não é? Mas, por exemplo, Índia... Ah, sim, sim.
[00:19:56] Speaker B: Não, Índia não... Esquece. Já foste à Índia.
[00:19:58] Speaker A: Não, não.
É um dos destinos onde eu acho que também não quero ir.
[00:20:01] Speaker B: Pá, eu tenho uma amiga minha que foi agora à Índia. Os vídeos que ela me mandava, eu só via assim, não, vou passar urgente, não, não.
Porque ela diz que adorou.
[00:20:10] Speaker A: Mas sabes que há quem odeia e quem adora. Pelo menos, normalmente, quando eu costumo ouvir falar da Índia, são um bocado assim.
[00:20:18] Speaker B: Ela a dizer-me assim...
Ah, se tu fosses... Para ti ia ser terapia de choque. E eu assim... Não, ia ser só choque. Não ia ser terapia.
Porque, opá, tudo muito desorganizado, muito sujo, muito velho.
E ela a comer aquelas comidas da rua e eu assim... Como é que é possível?
Alguma vez eu comia aquilo? Nunca na minha vida.
[00:20:37] Speaker A: É um bocado como eu.
[00:20:38] Speaker B: Mas é assim, se nós formos aqui a um restaurante, a gente também não está a ver a cozinha, mas lá está a coração. Como é que é? Que não o vejo, não é?
[00:20:44] Speaker A: É para os que não veem a coração crescer.
[00:20:45] Speaker B: Para os que não veem o coração crescer.
Se não, eu não ia comigo em lado nenhum, não é?
[00:20:50] Speaker A: Mas isso aí, por exemplo, eu também não me atraio muito e não tenho nenhuma perturbação, portanto... Mas é especificamente por isso que tu achas que não te atrai?
[00:21:04] Speaker B: Eu gostava de ser mais aventureiro.
Para poder ir e fazer certas coisas eu tenho claro a noção disso e já disse muitas vezes à minha mulher que...
Se eu não tivesse isto era muito mais livre.
[00:21:18] Speaker A: Tem fases. Tens fases piores e fases piores.
[00:21:22] Speaker B: Sim, mas era muito mais livre. Condiciona-me. Há coisas que eu gostava de fazer. Provar certas comidas que não sou capaz porque não sei o que é que está ali.
Ir a determinados sítios, se calhar, se não tivesse este condicionamento, se calhar até ir à Índia.
O Heitor Lourenço é que me quer levar à Índia. Assim, pá, Índia não. Nepal.
Nepal acho que é um bocadinho diferente. Butão, era espetacular.
Isso, vou. Agora, a Índia não é a minha cena. Peço desculpa a pessoas indianas que nos estejam a ouvir e a ver, mas adoro a comida indiana.
Para mim, olha, um dos melhores sítios para comer comida indiana mesmo real é no Templo Hindu, ali em Tilheiras, na Cantina Hindu. São espetaculares as pessoas e a comida.
Mas é muita confusão para a minha cabeça aquelas ruas.
[00:22:16] Speaker A: Olha, então, estamos a chegar a Tóquio. Porquê Tóquio? Porquê que escolheste Tóquio?
[00:22:21] Speaker B: Eu sempre gostei muito da cultura japonesa, desde pequeno, sempre tive um faxinho.
E a primeira vez que surgiu a oportunidade de eu ir a Tóquio, por causa que eu pratico uma arte marcial japonesa, que se chama Shorinji Kenpo. É uma arte marcial com Gozen, ou seja, ligado muito ao Budismo, no sentido de ter muitas práticas mais contemplativas, meditação, mas é uma arte de defesa pessoal.
Tem muita porrada e muitos pulsos torcidos. Mas tem esta componente que eu acho que dou muito valor a de ajudar o próximo, da consciência humana, E a primeira vez que surgiu a oportunidade de eu ir ao Japão foi em 2000, para aí. Mas eu era um puto, viagens caríssimas, era o campeonato mundial lá, mas como neste país pouco mais que o futebol e atletas olímpicos, e às vezes esses até passam por periculdades, têm apoio, nós tínhamos de pagar a cada um a sua viagem. Então eu não consegui ir. E agora surgiu a oportunidade, eu voltei a praticar arte marcial há uns anos, Fiquei para aí 15 anos sem a praticar, voltei a praticá-la. Fugiu a oportunidade de ir ao campeonato mundial no Japão outra vez e então eu agora sim já sou trabalhador independente.
[00:23:34] Speaker A: E já conseguiste ir?
[00:23:35] Speaker B: E paguei a viagem. Adorei. Adorei ao ponto de quando saí do Japão, quando cheguei a Lisboa, a minha reação foi, tenho que voltar.
E já voltei.
[00:23:44] Speaker A: E já voltaste. Com a família?
[00:23:46] Speaker B: Com a família, porque eu disse, foi mesmo, vocês têm que ver aquilo.
Sabes? Quando a gente diz assim, vocês têm que ver.
[00:23:53] Speaker A: Sim, fui há dois anos e adorei.
Tóquio, Kioto, Tóquio, Kioto.
[00:24:01] Speaker B: Eu fui a Tóquio, Kioto, Osaka.
[00:24:05] Speaker A: Não gostei mais de Osaka do que de Tóquio.
Pois.
[00:24:11] Speaker B: Porque Osaka é mais descontraída. É uma cidade mais descontraída.
Depois fui fazer o tal estágio de artes marciais do Shorinji Kempo num mosteiro mesmo, na CED, que é numa ilhazita a 700km de Tóquio.
E fui a Hiroshima.
E voltei agora. Fomos ainda em setembro, um calor terrível.
E quando aterrei a Lisboa disso, tenho que voltar.
[00:24:37] Speaker A: Isso é que é mesmo amor. Mas eu consigo compreender, porque eu também gostava muito de voltar. Eu gostei imenso. E nós tínhamos Osaka também como destino, mas depois, como fomos para a Coreia do Sul, tivemos que...
[00:24:49] Speaker B: A Coreia do Sul, eu tenho, minha mulher, muita curiosidade por causa das telenovelas coreanas.
[00:24:55] Speaker A: E os adolescentes todos. As tuas filhas também querem esse.
[00:25:00] Speaker B: Sim, sim, sim, sim. O Coreia do Sul também tenho curiosidade. A Seul acho que é capaz de ser muito fixe.
[00:25:05] Speaker A: Sim, é muito fixe. Vale a pena. À próxima tens que alargar um bocadinho.
[00:25:09] Speaker B: E o Japão é muito engraçado porque Tentei aprender algumas coisas de japonês. Eu consigo falar algumas coisas. Escrever, não. E entender, muito difícil, porque eu falo muito rápido.
Mas eles diziam, eu fiquei super orgulhoso, porque eu quando falava, os gajos diziam que eu tinha um sotaque muito nipónico.
[00:25:27] Speaker A: Eles também são muito simpáticos.
[00:25:29] Speaker B: É verdade, mas mais do que um disse isso. Eu fiquei naquela, olha...
[00:25:32] Speaker A: O Japão também é um país com muitas questões de saúde mental, não é?
[00:25:37] Speaker B: Com muitas questões ao contrário, que eles não tratam da saúde mental. É um país com uma taxa de suicídio muito elevada.
Eu gosto muito de saber das histórias dos países e aspectos culturais.
e tenho alguns amigos meus que vivem lá em Tóquio. Dois em Tóquio e um em Osaka. Dois deles casados com japonesas e outros que foi um casal de portugueses que foram para lá. E então eu fiz muitas perguntas e eles dizem, por exemplo, saúde mental não se fala porque é uma cultura onde ainda está muito enraizada a questão da honra, e da união do grupo.
Por isso é que o Japão evoluiu muito. O Japão tem uma abertura ao mundo ocidental há 200 anos, 200 e poucos anos. E nesses 200 e poucos anos, suplantou os outros todos em termos de tecnologia e evolução. Porquê? Porque é cena de estão todos a trabalhar para um objetivo. Só que são assim em tudo.
E então ninguém quer falar sobre problemas de saúde mental porque ninguém fala. Se ninguém fala não sou eu que vou agora dizer que tenho aqui os pães que me fazem chorar ou que estou deprimido ou que não sei o quê. Por isso é que a taxa de suicídio depois é muito elevada. Eu depois fiquei de ir investigar isto mas ainda não...
Ainda não li. Contaram que há uma parte dos sem-abrigo no Japão que são pessoas que simplesmente ficaram sem trabalho e tiveram vergonha de voltar para casa.
[00:27:06] Speaker A: Sim.
[00:27:06] Speaker B: Para não desonrar a família.
Então preferiram ficar na rua.
[00:27:10] Speaker A: Sim.
[00:27:10] Speaker B: Isto é surreal.
[00:27:11] Speaker A: É surreal completamente.
[00:27:13] Speaker B: É vergonha. Ao mesmo tempo a falta de vergonha e a falta de empatia que existe entre uns e outros.
[00:27:18] Speaker A: Sim.
[00:27:19] Speaker B: Porque a simpatia dos japoneses também é de alguma maneira imposta.
pela cultura.
[00:27:25] Speaker A: É muito da educação deles.
[00:27:27] Speaker B: É da educação. Claro que são simpáticos e são empáticos, mas há uma parte que é quase uma obrigação.
[00:27:33] Speaker A: Eu reparei isso, por exemplo, no metro, perguntaram a uma pessoa a pedir ajuda e essa pessoa leva-nos, não nos larga, enquanto nós não estivermos naquilo que nós perguntávamos. Eles têm uma função disso a cumprir.
[00:27:47] Speaker B: Estarmos a ver coisas em mapas e sem perguntar nada virem pessoas para dizer que precisam de ajuda. Os que só vêm falar inglês, que são tipo...
Sim.
[00:27:56] Speaker A: É como na China, é falar com as pessoas mais novas.
[00:27:59] Speaker B: Mas olha, a China também é outro país que eu não ia.
[00:28:01] Speaker A: Porquê?
Podes ir. Vais a Tóquio, vais a China.
[00:28:05] Speaker B: E pá, o quê? Pequim?
[00:28:06] Speaker A: Sim, Pequim, Xangai.
[00:28:07] Speaker B: E eu também não sei o que é que eles comem.
Também têm a arte de ser, assim, muito confuso. Porque Tóquio é um confuso, mas é um confuso organizado.
[00:28:16] Speaker A: Eles são muito organizados, não é? E tudo isso. É a limpeza, não é? Não tens caixotes de lixo na rua.
[00:28:23] Speaker B: E não há lixo.
[00:28:24] Speaker A: Porque não há lixo.
E a organização deles é...
[00:28:28] Speaker B: Eu fiquei em hotéis de três estrelas.
melhores que muitos hotéis de 4 estrelas aqui, em termos de limpeza, de organização, tudo.
[00:28:38] Speaker A: É fantástico.
Eu, por exemplo, para andar de comboio eu tenho que pedir com antecedência.
[00:28:44] Speaker B: E lá era preciso não?
[00:28:46] Speaker A: Lá não era preciso grande antecedência, portanto, eles tratavam logo tudo e assim que eu chegava, por exemplo, ele marcava para o dia a seguir, no dia a seguir eu chegava à estação e eu tinha uma pessoa à minha espera que me levava até à porta do comboio E era a função dela. Ela afastava toda a gente para eu passar.
Era muito engraçado. Mas eles têm...
Levem o trabalho muito a sério, não é? E têm uma dedicação às pessoas que é extraordinária. Eu também.
[00:29:16] Speaker B: Aquela organização toda era a organização que eu precisava na minha cabeça.
Então é quase um espelho.
[00:29:24] Speaker A: Eu consigo perceber. Até, por exemplo, um dos grandes problemas que eu tenho em viagem é arranjar uma casa de banho adaptada, porque normalmente não há e não se sabe onde é que há e, portanto, no Japão há em todo o lado, limpíssimas e, portanto, aquilo para mim também foi o topo.
Por isso, ainda bem que me levaste até a Tóquio hoje.
[00:29:46] Speaker B: Nada.
[00:29:47] Speaker A: Obrigada António.
[00:29:48] Speaker B: Obrigado eu. Já acabou.
[00:29:48] Speaker A: Gostei muito. Já acabou.
[00:29:50] Speaker B: Foi uma viagem curta. Fomos de chica zen.
[00:29:52] Speaker A: Fomos rápidos.
Nos próximos episódios vamos abordar outras questões e outras condições e mostrar que viajar é para todos.
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Até à próxima.