Episode Transcript
[00:00:06] Speaker A: Sejam bem-vindos a mais um podcast do Automóvel Clube de Portugal. Sou Mário Vasconcelos e hoje temos como convidado Alexandre Cortês, baixista e membro fundador dos Rádio Macau. Alexandre, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite.
[00:00:16] Speaker B: Muito obrigado. Agradeço a oportunidade.
[00:00:19] Speaker A: Vamos fazer uma viagem pela Lisboa dos anos 80 através da música. E os anos 80 também proporcionaram grande diversidade e grande criatividade à música nacional. Exploraram-se novas sonoridades, novos estilos. Foi assim, sentiu-me isso.
[00:00:35] Speaker B: Sim. Eu diria que este novo fogo de música portuguesa que surge nos anos 80 começa no final dos anos 70. Até então havia, proliferavam, eu diria, os grupos de um rock mais psicodélico, mais progressivo, seria um pouco diferenciado por aquelas bandas dos anos 70. Estou-me a lembrar, por exemplo, dos Tantra, entre outros grupos que marcaram a cena musical portuguesa. mas é realmente com o aparecimento de grupos como os 50 Pés, antes disso ainda os Faíscas, alguns grupos que já um bocado influenciados pelo movimento punk dos Sex Pistols, etc, que trazem, digamos, uma alfada de ar fresco para a cena musical portuguesa. Isto obviamente foi acompanhado por um grande movimento internacional que surge com o punk em primeiro lugar e depois numa fase posterior, mas ainda no início dos anos 80 aparecem aqueles grupos que depois se designaram pelo movimento New Wave e isso obviamente trouxe grandes alterações. Nós também temos que pensar que o 25 de Abril ainda estava muito presente, tinha acabado a ditadura na década há cinco, seis anos. Meia dúzia de anos. Hoje parece que tudo muito longínquo, mas é interessante pensarmos nessa perspectiva. E, obviamente, os grupos começaram a querer afirmar, sem primeiro lugar, cantando em português e depois, digamos, dar eco ou fazer eco daquilo que se estava a produzir lá fora. Em termos de grupos da New Wave, falo, por exemplo, os Talking Heads. Os Talking Heads, o primeiro álbum, saem em 77. Portanto, tudo isso acabou por abrir caminho para novos estilos, uma música muito mais acessível. É a época dos três acordes e tal, uma música feita. E nós tínhamos o Rádio Macau, vou falar aqui enquanto músicos do Rádio Macau.
[00:02:56] Speaker A: Independentemente das influências, que as novas bandas que estavam a surgir nessa altura iam beber de outras já existentes. Também estamos a falar de uma época que trouxe novas tecnologias e novos instrumentos e isso complementou, ajudou a complementar de certa forma.
[00:03:20] Speaker B: Sim, embora no início dos anos 80 nós tínhamos muita dificuldade em adquirir material.
E os instrumentos eram muito caros, não havia assim tanta facilidade, por exemplo, para gravar, etc. E era no princípio da década que surge um aparelho que toda a gente, todos os músicos queriam ter, e muitos deles tinham, que era um gravador de quatro pistas, o Fostex.
que marca era Foxtec, se lembro perfeitamente. E então nós gravávamos, um gravador de cassetes, nós gravávamos as quatro pistas e conseguíamos ainda ampliar o número de pistas virando a cassete ao contrário. Portanto aquilo era quase que dava para gravar oito instrumentos, digamos. E então isso foi sim uma ferramenta fundamental. E depois obviamente começaram a aparecer as lojas de música porque havia muitos miúdos a querer comprar instrumentos. e guitarras e baixos, etc. E então começou a haver uma maior facilidade, nada comparável com o que é hoje, porque hoje compra-se tudo por tudo e mal.
[00:04:40] Speaker A: Estava tudo no início ainda.
[00:04:41] Speaker B: Estava tudo muito no início. Mas é muito engraçado porque nós pensamos, o país, o retrato do país nessa altura, Era um país completamente impreparado para grandes circuitos de música e para as turnês. Era sempre um incógnito de que tipo de palco é que vamos apanhar, que som é que lá vai estar. Muitas vezes era bom, muitas vezes era péssimo. E isso nota-se hoje que houve um caminho, que provavelmente e com toda a humildade nós podemos ter contribuído para abrir esse caminho um bocadinho, com algumas bandas que se tornaram iconográficas desse período, o GNR, por exemplo, os Chutos, a Sétima Legião, o Irmão Morta, Os Rádio Macau fazem parte, portanto o primeiro disco que sai...
[00:05:32] Speaker A: Eu estava a falar de bandas ainda anteriores aos Rádio Macau, não é? Porque os Rádio Macau surgem um, dois, três anos depois.
[00:05:40] Speaker B: Isto é assim, historicamente podemos definir que houve dois períodos. Houve o primeiro grande boom do rock português.
que não correu muito bem e de onde surgem grupos como as Heróis do Mar, Chutes e Pontapés, etc. Aquilo de repente não correu bem porque começou a aparecer muito grupo muito mau a gravar discos e música que não faria sentido nenhum.
E depois houve uma quebra, digamos aqui um abrandamento, e em 84 surge esta segunda leva de grupos, como o Mão Morta, o Sétimo Legião, Rádio Macau... Acho que melhor preparada.
Pelo menos já tínhamos alguns exemplos de como não fazer. Correu mal, não é? Correu mal. E eu creio que houve uma grande vontade de ultrapassar isso. Depois é curioso.
Porque eu acho que os artistas portugueses dessa fase que cantavam em português começaram a ter algum cuidado com o que estavam a gravar e a editar, ou seja, com a qualidade dos poemas, ou das letras, das músicas, com os instrumentais, cada um com as suas idiosincrasias, mas havia... não era uma grande influência, mas notava-se que um grupo era mais parecido, os Chutes e Pontapés eram mais parecidos com os Clash, o Sétimo Legião era mais parecido com o Joy Division, os Rádio Macau quiseram descolar a muitos grupos, mas na realidade eu hoje ouço os discos e nós tínhamos uma coisa que os discos variavam muito, eram muito diferentes de um disco para o outro. e cada disco era como se fosse um capítulo, nós fechávamos e íamos abrir outro capítulo a seguir. Eu considero que a música portuguesa nessa altura, e olhando agora à distância, enriqueceu muito a cena musical, ou seja, aquilo que foi feito nesse período, o primeiro disco de Ferrari e Macalçai em 1984, e a partir daí seguem-se uns anos de muitos espetáculos e nós realmente conseguíamos, eu diria eu, trabalhar as coisas novas sempre com uma perspectiva de modernidade ou de contemporaneidade. Nós queríamos ser atuais, queríamos ser novos, queríamos trazer coisas novas.
[00:08:11] Speaker A: É que se ouve tanto falar, ai os anos 80 foi nos anos 80 que surgiu o rock português.
Teve dois momentos, não é? Quer dizer, teve um momento bom e... Um momento mau e um bom.
[00:08:26] Speaker B: Eu creio que sim, que houve uma altura e isto é um bocado como tudo. De repente percebeu-se que havia ali um filão e que havia grupos que vendiam milhares, centenas de milhares de discos.
e as editoras começaram a querer editar tudo sem ter qualquer critério de qualidade. Havia bons grupos. O que aconteceu é que muitos grupos, que sem qualidade quase nenhuma, conseguiam gravar porque as editoras queriam. Será esta a next big thing? Será que são estes? E então não havia grandes critérios de qualidade. E a profissão que se designou desde sempre como AR, Artistas e Repertório, que era quem escolhia os artistas que as editoras gravavam, era pouco criteriosa comparando com os períodos a seguir. De maneira que eu creio que depois houve uma afinação de todo este sistema e depois a seguir, não quer dizer que não tenha havido discos maus, claro que sempre houve, mas os editores começaram a ter bastante mais cuidado e começaram a perceber que nem tudo o que vem à rede é peixe, ou seja, começaram a perceber que tinham que ser mais criteriosos porque discos tão maus que se editaram, que nem faz sentido hoje em dia.
[00:09:45] Speaker A: E nessa altura já, na fase boa do rock português, também os estivais, o surgimento de rádios, as rádios pirata, e até a própria imprensa especializada ajudou bastante.
[00:10:00] Speaker B: Ajudou bastante, foi interessante porque ao mesmo tempo surgem uma série de profissionais ligados à rádio, à televisão, aos jornais que já tinham algum know-how sobre música e sobre a indústria em si, quer do ponto de vista internacional, quer nacional. E, portanto, começou a haver, aparece a revista Blitz, o jornal, na altura era o Jornal Blitz, que teve um papel importantíssimo na divulgação.
[00:10:30] Speaker A: Histórico o Jornal Blitz.
[00:10:31] Speaker B: Sim.
[00:10:31] Speaker A: Pois uma coisa, Alexandre, e desculpa interromper, é que o curioso ainda O aparecimento dessas pessoas nessas áreas eram praticamente todos da mesma geração, quer dizer, havia uma perceção e um entendimento que facilitava, que era muito bom.
[00:10:47] Speaker B: Lisboa tinha essa particularidade, é que tinha um bairro, era bairro alto.
onde se encontrava toda a gente, nomeadamente pessoas destas indústrias, quer do jornalismo, que muitos jornalistas frequentavam o Bairro Alto à noite. Aliás, o Bairro Alto tinha imensos jornais, cuja sede era lá, as redações eram.
e, portanto, os jornalistas muitas vezes saíam dali e iam, ainda há um bocado falámos disso, iam ao cenóbio comer um bifinho e depois iam ao frágil ouvir uma musiquinha e tal. Mas é muito giro porque se encontravam toda a gente, ou seja, músicos, artistas, atores, portanto era um bar onde proliferavam artistas e jornalistas e atores e muito facilmente na mesma noite podíamos encontrar músicos de seis ou sete bandas, os jornalistas, portanto acabava por haver ali um fervilhar de novidade.
[00:11:53] Speaker A: E havia comunicação, havia troca de ideias.
[00:11:56] Speaker B: Havia muita comunicação.
[00:11:57] Speaker A: Entre todos eles.
[00:11:59] Speaker B: E muitos projetos foram combinados ali. Estamos a esquecer de um espaço que foi crucial para tudo isto.
que apanha o princípio dos anos 80, talvez até 85, 86, já não lembro quando é que fechou, que era o Rock Rendezvous. Que era uma incubadora. Houve muitos grupos que se formaram para irem tocar.
[00:12:23] Speaker A: Ó Alexandre, é exatamente por aí que eu quero ir. O Rock Rendezvous surgiu em 1980, portanto, mesmo em início, início da década de 80, e de facto foi um espaço que impulsionou bastante a música nacional, a propósito, Chegou a ir ao primeiro concerto que aconteceu no Rock Rendez-Vous?
[00:12:43] Speaker B: Não, ao primeiro não fui. Mas fui logo a seguir... Aliás, o Jardim de Macau tocam no Rock Rendez-Vous em McCraryville pela primeira vez, se não me estou a errar, em 1983. Mas nós éramos clientes, nós músicos. Íamos lá muitas vezes ver coisas novas e também... sondar o que é que se está a passar aqui. E realmente era um espaço fantástico. Além do ambiente, que era sempre engraçado e sui generis, para além disso, passava boa música.
[00:13:18] Speaker A: Acho que além de ser uma sala de concertos, era um laboratório também.
[00:13:22] Speaker B: Eu acho que sim. Eu diria que aquilo era uma espécie de incubadora. porque havia muitos artistas que lá estavam tal que estão. O rock rendezvous foi durante a sua existência, creio, toda. Toda a sua existência foi um espaço onde também de encontro e de combinar coisas e de aparecerem alguns grupos que, por exemplo, vinham do Porto. Assim, da mesma forma que nós íamos ao Porto tocar e depois íamos sempre, acabávamos lá no Twins ou no Swing, já não me lembro bem qual era o nome. que era um bar onde estavam lá sempre o GNR, e às vezes havia o Sor Rui Veloso, ou haviam outros artistas, o Sbano. Eles a mesma coisa, vinham a Lisboa, e quando vinham para o Bairro Alto, encontravam-nos todos ali, ou iam ao Rock Rendezvous, e muitas vezes a gente lembra de uma vez, os Raios de Macau nessa altura estavam numa fase em que estavam a viver, nós conseguimos, fomos todos viver para uma casa onde tínhamos o nosso estúdio.
e foi um período muito engraçado nas nossas vidas. E uma vez encontramos os Bano e os Bano foram lá dormir a nossa casa e depois combinámos, temos que fazer qualquer coisa, depois acabámos por não fazer nada registrado, que ficasse registrado. Mas havia esta cumplicidade e este movimento todo em torno do bairro alto e do rock-rendevoulo, que eu diria que seriam os polos mais importantes para a música da música portuguesa.
[00:14:58] Speaker A: E ainda, falando do Rock Rendezvous, em 1984, quatro anos depois da sua inauguração, surgiu também uma coisa muito interessante, que era o concurso de música moderna, que apoiava muito as bandas que queriam começar a afirmar-se.
[00:15:17] Speaker B: Esse concurso teve um papel importantíssimo, pois continuou até mesmo já fora do rock rendezvous.
[00:15:24] Speaker A: Como é que era a admissão, Alexandre? Uma das condições era nunca terem antes gravado, não é? Essas bandas.
[00:15:31] Speaker B: Eu penso que sim. Eu não sei se foram os Pop de L'Arte um dos primeiros a ganhar, mas acho que muitos grupos que hoje são importantes passaram por lá, pelo concurso Música Moderna. Então, nomeadamente, os Mamorta, Ah, pois eu...
O Lisboa Peste, que era o vocalista dos Pop de Larde, criou uma editora chamada Ama Romanta, que foi o embrião, foi o nosso 4AD, a editora inglesa, foi a congênera em Portugal, era Ama Romanta, que depois também deu a conhecer muitos projetos novos e bastante interessantes. Portanto, já havia produção independente, já havia circuitos onde os grupos que, digamos, mais fora da caixa, podiam apresentar os seus espetáculos e muitas vezes eram mesmo fora da caixa que havia algum. Mas acabou por estabilizar, e eu estou convencido, a cena em Portugal, não é? Acabou por ter uma vida e uma indústria com força e com... com coisas a acontecer. E eu, na altura, lembro-me de achar isto, mas é sempre um bocado... se calhar alguma incorreção da minha parte, mas eu lembro-me de achar que a música portuguesa estava uns passos à frente da música espanhola, da música moderna, contemporânea, rock.
porque achava que nós éramos mais inovadores e os grupos espanhóis eram sempre grandes cópias de outras coisas e eu achava que a cena em Portugal tinha muito por onde evoluir e teve e acabou por se demonstrar que realmente era uma indústria que veio para ficar, sem qualquer dúvida.
[00:17:23] Speaker A: E agora centrando-me um bocadinho nos Rádio Macau, como é que se conheceram e de onde é que vieram?
[00:17:30] Speaker B: Nós morávamos todos no Alguer Amém Martins.
Numa altura, eu fui morar para Algueirão, só para termos também uma noção do ponto de vista urbano de como é que aquilo era. Quando eu fui para lá morar, a minha mãe foi colocada numa escola lá, e eu fui para lá morar com sete anos e aquilo tinha 4.500 habitantes.
Quando saí de lá, portanto, tem talvez 86, 87, por aí, que eu vim, depois voltei a viver em Lisboa. Quando saí de lá já tinha 100 mil, ou seja, 70 mil. E hoje tem 180 mil. É assim uma coisa. Está quase nos 200 mil. Aquela freguesia, que é a maior freguesia da Europa.
Portanto, aquilo cresceu, aquilo era... foi uma loucura.
[00:18:24] Speaker A: E eram todos de lá?
[00:18:25] Speaker B: Éramos de lá, éramos todos de lá. E eu fui colega do liceu, do Flaco, que era o guitarrista, era e é. E depois nós frequentávamos um café, que era o Agalo Dourado, era um nome engraçado, frequentávamos um café onde a Xana também passava lá e me conhecemos por aí. Eu conheci o Flaco com 12 anos, A Shana é mais nova do que nós, 4 anos, mas só para vermos como as coisas eram tão diferentes na época, quando nós gravámos o primeiro álbum, entrámos em estúdio em 83, a Shana tinha 17 anos. E nós tínhamos 22.
[00:19:11] Speaker A: Exatamente.
[00:19:13] Speaker B: A Chana fez 18 anos em estúdio, quando estávamos a gravar.
[00:19:17] Speaker A: Quando saiu o primeiro álbum, em 84.
[00:19:18] Speaker B: Exatamente. Eramos uns miúdos. Éramos miúdos novos, ela principalmente. Era uma miúda. Mas frequentávamos o mesmo café e começámos a tocar. Nós tocavamos com os instrumentos que tínhamos na altura.
e tudo muito rudimentar, mas lembro-me que nós, como gostávamos muito, e talvez tenha sido isso a sorte que nós tivemos, como os nossos pais tinham coleções de discos que incluíam muito o Zeca Afonso, o Zé Mário Branco, discos proibidos antes.
[00:19:56] Speaker A: Do 25 de Abril, Chamada Canção de Intervenção.
[00:19:59] Speaker B: Canção de Intervenção, mas muito... e depois ao mesmo tempo algum rock, muita música brasileira, lembro-me de Seco e Milhados, Chico e Caetano ao vivo, esses discos que depois acabaram por marcar. Léo Ferré, muita canção francesa, lembro-me de ser miúdo. Eu gostava particularmente do Léo Ferré, mas também do Jaco Réel, tudo isso. Ou seja, houve aqui uma mistura musical, naquele período em que nós estamos no início de uma aprendizagem musical, que foi muito importante para aquilo que depois o Rádio Macau acabaram por se tornar. Porque nós queríamos mesmo gravar em português e cantar em português e tivemos a sorte de, no nosso grupo de amigos, haver um letrista muito bom, que era o Pedro Malaquias, eles eram dois amigos, era o Pedro Malaquias e o Vitinha. Pedro Malaquias depois veio ser jornalista da TSF e agora está reformado, mas que foi uma pessoa muito importante, porque ele não só, aquilo que nós líamos, ele era mais velho do que nós, então teve uma grande influência de pôr-nos a ler o Rambaud, o Boris Evian, esse género de Os autores estavam muito na.
[00:21:23] Speaker A: Moda no ano de 1980. O Alexandre, mas está-me a falar de tantas influências, e até literárias, mas quando o Jurado de Macau surgiram e começaram a marcar a cena da música nacional, diziam que vocês, que o Jurado de Macau, tinham chegado com a força do punk e do hard rock, mas com grande sensibilidade pop.
[00:21:48] Speaker B: Sim.
[00:21:49] Speaker A: Foi essa a receita de sucesso da banda?
[00:21:52] Speaker B: É engraçado porque nós outro dia encontramos, recuperámos algumas das cassetes que gravámos na época e a quantidade de músicas que tínhamos diferentes, daquelas que depois foram gravadas em disco, quantidade de estilos diferentes e eu acho que o que acabou por moldar os Radio Macau foi também muito o público. Porque nós tínhamos essa sensibilidade de perceber, esta música funciona muito bem, esta não funciona assim tão bem. E, naturalmente, houve uma seleção de repertório. Nós tínhamos uma coisa que nós éramos muito curiosos e tínhamos... Muitas vezes, apesar de na altura sermos todos autodidatas, depois mais tarde é que ainda fui para o AutoClube e o Flaco também estudou na academia, mas sempre de uma perspectiva muito autodidata.
E nós, na altura, acreditávamos que as boas influências podiam vir de diversos quadrantes. Ou seja, não estávamos muito pegados. O nosso objetivo era mexer os novos classes. Ou vamos dizer, isso não existia. Era ali uma mistura de influências onde predominava muito alguma música portuguesa dos anos 70, não é? Do José Cafonso, do José Mário Branco, eu lembro-me.
O disco, à margem, de certa maneira, era um disco que eu ouvia repetido e continuamente, até ouvir... até quase saber tudo de cor. Eram fases em que nós, pois como éramos miúdos e amigos do dia-a-dia, estávamos sempre a discutir estas coisas. Eu gosto disto, tu não gostas daquilo.
Pois, o que saía disto era, acredito eu, e agora pensando nisso à distância, era um lado também, ao mesmo tempo, genuíno. Porque nós não queríamos imitar ninguém. Queríamos ser nós próprios. E às vezes até se dizia na brincadeira, se já está a aparecer muito não sei o quê, o melhor é... Distanciar-nos um bocadinho. É, vamos fazer outra coisa.
[00:23:58] Speaker A: Sempre se deram bem.
[00:23:59] Speaker B: Sempre. Aliás, como eu disse há um bocado, nós vivemos juntos, há dois anos e meio ou três, e tínhamos o estúdio dentro de casa. Aliás, eu costumo dizer uma coisa, porque o Algueirão, o M. Martins, e falando agora de uma situação mais crítica, que aparece na década de 80, que era a questão da droga e da heroína.
que matou muita gente ali, principalmente nestes subúrbios. Aquilo eram ilhas, estes subúrbios eram ilhas, aquilo bastava entrar lá um tipo com um bocado de heroína e de repente, passado uns meses, estava uma data de gente já contaminada com isso. E nós acabámos por, como éramos tão obcecados com música, acabámos por não cair nessa teia, ou seja, íamos ao café, a ver o café, e depois a seguir íamos para o estúdio e estávamos, trabalhávamos, eu diria, oito horas por dia em música, ou mais. Cada vez que íamos pela noite fora, sempre... E isso fez com que nós nos afastássemos um bocadinho desse meandro mais complicado, que depois veio a tornar-se um...
um problema grave na sociedade portuguesa, felizmente que já está bastante mais controlado, mas que acabou com muitos amigos e muitos do nosso grupo de amigos foram umas dezenas que morreram.
[00:25:20] Speaker A: Mas enquanto banda tiveram uma Uma vida relativamente curta, não é? Porque em 92 editaram-se o último...
[00:25:32] Speaker B: Não, não. Em 92 fizemos uma paragem que durou 8 anos, ou 7 anos.
[00:25:38] Speaker A: Foi com a marca amarela.
[00:25:40] Speaker B: Foi. Mas isso teve a ver porque realmente nós estávamos com um cansaço. Estas coisas são tramadas porque o país é pequeno.
Apesar de nós até tocarmos bastante, com alguma regularidade íamos tocar a Espanha. Fizemos até uma vez uma turnê de 12 espetáculos em Espanha. Mas acabamos por... esta coisa da volta a Portugal cansou-nos um bocado. E nós não deixámos de ser amigos, isso foi outro fator importante. Entretanto, nós tínhamos vindo viver por Lisboa, E também começámos a conhecer outros músicos e às tantas decidimos mesmo, vamos fazer aqui um interregnozinho. Vamos parar um bocado. Sem grandes planos para o futuro, vamos fazer isto. E realmente, pronto, depois eu... A Chana gravou um disco a solo, o Flaco também. Eu gravei um outro projeto chamado World Song. Que ainda lançámos dois discos, mas continuámos sempre a frequentar os mesmos passos. A dar-nos...
com uma grande proximidade entre nós. E depois, entretanto, em 2002, já não me lembro, sai um novo disco. Aliás, nós depois desse interregno gravámos mais três discos.
[00:27:01] Speaker A: Em 99?
[00:27:02] Speaker B: Em 99.
[00:27:02] Speaker A: Pois em 2003.
[00:27:03] Speaker B: Em 2003 e depois em 2008. É o último.
Em 99 foi um álbum que se chama Onde o Tempo Faz a Curva, onde nós entrámos pelos territórios da musiquinha eletrónica e andámos a explorar um bocado esse lá. Mas que foi um disco, na minha ótica, interessante e engraçado. Depois gravámos um outro disco chamado Acordar.
que teve a particularidade de convidámos um percussionista norueguês, que era o Helge Norbakken, que tinha trabalhado com a Maria João e com o Mário Ledinha, se não estou a erro. e ele tinha uma coisa incrível como músico, que era tudo o que ele tocava tinha sido construído por ele. Ele era percussionista e baterista e as peças da bateria não eram nada normais, ou seja, eram jantes de automóvel, malas antigas de cabral. Ele conseguia, a partir de peças de quinquilharia, criar uma sonoridade, parecia uma bateria, mas muito, muito original. Foi um período muito interessante também trabalhar com ele. E depois saiu o último álbum. Decidimos voltar às canções no seu ponto, no seu estado mais convencional, digamos. e fizemos um álbum que eu continuo hoje a achar que é um dos melhores discos da nossa carreira e que também, ao mesmo tempo, depois acabou por marcar o fim deste processo. Nós cansávamos-nos muito. Eu lembro-me que diziam assim, olha, para a semana temos três concertos. E a primeira coisa, onde é que é?
E depois um gajo pensava, ah, um é em Vila Real de Santo António, outro é em Bragaça e outro é no Funchal. E um só pensava, meu Deus, como é que... Ou seja, em vez de ter prazer e gozo, já era uma seca fazer uma viagem. Porque depois também estávamos lá em circuitos que não era bem aquilo que nós queríamos. Ou seja, nós fazíamos muitas festas populares e tradicionais, porque tivemos alguns désitos que a isso obrigavam. E também era um mercado que funcionava e pagava bem. Mas as pessoas realmente estavam lá para ouvir aquele êxito. E depois quando nós aparecíamos com propostas mais elaboradas ou mais alternativas...
[00:29:30] Speaker A: Não eram tão bem acolhidas, não é?
[00:29:31] Speaker B: Não, porque as pessoas não queriam... Quer dizer, nunca fomos mal acolhidos, mas as pessoas...
Percebia-se que o que as pessoas queriam era... E depois estávamos naquele mercado em que também umas vezes tocavamos em festivais que um dia éramos nós, no outro dia era o Quim Barreiros e às vezes os dois no mesmo dia. Coitado do Quim Barreiros que é uma pessoa maravilhosa e gentil.
[00:29:52] Speaker A: E é uma máquina.
[00:29:53] Speaker B: E é muito engraçado como pessoa. É genuíno. Também lá está.
E nós achávamos que este circuito estava a começar a ficar muito cansativo. E tínhamos vários projetos a decorrer. Eu nessa altura, já no princípio, em 92, era sócio do Johnny Guitar, José Pedro dos Chutes e Pontapés, abrimos o e já estávamos com vidas também... já não era tão dependente do dinheiro que ganhava com a música, digamos como músico, e acabámos por decidir fazer uma paragem. Curiosamente, no dia 5 de Abril, Foi o sexagésimo aniversário da Chana. Juntámonos e fizemos um concerto para umas 200 pessoas, ali no Parque da Bela Vista, lá num restaurante, num sítio que tinha todas as condições. E foi muito divertido. Tocámos um concerto inteiro, com os êxitos do Jornal do Imercado desse período.
E foi muito giro porque estas coisas é um bocadinho como andar de bicicleta uma pessoa. Eu lembro-me de quando nós fizemos poucos ensaios, fizemos para aí três ou quatro ensaios. Mas depois lembro-me de estar a tocar e aquilo realmente já não precisava pensar muito porque aquilo já estava mecanizado. Ou seja, eu lá no meu arquivo, no meu databank, as músicas estavam lá todas e realmente as coisas são extraordinárias. Depois também se nota muito esta esta ligação entre as pessoas e entre os músicos. Nós, muitas vezes, e como de certa forma continuámos a trabalhar em projetos, eu com outros músicos do Jurado de Macau e vice-versa, e acabámos por aquela cumplicidade que se senta em palco, já não se perde, acho eu. Nós, de repente, estávamos a tocar E eu estava a sentir aquele espírito que sentia nos anos 80, lá está, em que nós às vezes não precisávamos pensar muito para saber que nota é que ele ia dar e o que é que ele ia tocar a seguir. Ou seja, essa complicidade, esse... Essa capacidade de entendimento entre músicos às vezes não tem a ver com o facto de o músico ser muito bom ou ser um virtuoso. Pode não ser tão bom e conseguir ter essa ligação, ter muito mais bons resultados do que aparentemente poderia ter.
[00:32:37] Speaker A: Ó Alexandre Cortes, muito obrigado.
[00:32:39] Speaker B: Eu é que agradeço.
[00:32:40] Speaker A: Enfim, é pelos anos 80 que vamos ficar. Muito obrigado por nos ter recordado esses tempos. Obrigado também a quem nos acompanhou e podem seguir-nos no Spotify, Apple Podcast e nas redes sociais do ACP.
[00:33:31] Speaker C: Noite sem sono, entre o céu e vejo o ar.
Com um trago, te abandono e gosto a outro sabor.
Dizes-me até amanhã Que tem de ser que te vais Só que amanhã sabes bem É sempre longe demais Dizes-me até amanhã Que tem de ser que te vais Só que amanhã sabes bem.