Episode Transcript
[00:00:06] Speaker A: Sejam bem-vindos a mais um podcast do ACP. Sou Mário Vasconcelos e hoje temos como convidado Pedro Miguel Costa, CEO do grupo Loja das Meias. Pedro Miguel Costa, muito obrigado por teres entrado no convite.
[00:00:15] Speaker B: Muito obrigado a nós por ter feito o convite.
[00:00:19] Speaker A: A Loja das Meias é uma empresa muito antiga. Ela surgiu no início do século XX, em 1905, e há quatro gerações que se mantém nas mãos da mesma família.
[00:00:31] Speaker B: É verdade. Ela está na família desde 1905, mas ela apareceu em 1846. Era uma loja onde ela está neste momento. Na altura, o proprietário da loja era um Joaquim Alves, que era o proprietário. Quando faleceu, deixou a loja aos três funcionários de maior distinção, que era o Costa, o Rosado e o Pimentel. Depois o Rosado e o Pimentel acabaram, um por falecer e o outro por o meu bisavô ter adquirido as cotas. E, na realidade, essa data que aponta, 1906, é a data a partir da qual o meu bisavô passou a ser o único titular da Loja das Meias. Mas ela já se chamava Loja das Meias desde 1846.
[00:01:16] Speaker A: E foi na esquina do Rossio com a Rua Augusto onde tudo começou, não é?
[00:01:22] Speaker B: Foi, exatamente.
[00:01:22] Speaker A: Uma vez que já, entretanto, expandiu-se.
[00:01:24] Speaker B: É, exatamente. Foi ali, foi o berço. desde essa data de 1846. E porquê a loja das meias? Porque efetivamente o que ela vendia era meias, espartilhos e camiseiros. Eram as três categorias. A lógica do pronto a vestir, como nós conhecemos hoje em todas as lojas de roupa, não existia na altura.
[00:01:46] Speaker A: Surgiu muito depois. É das poucas empresas familiares com mais de um século de existência, não é? Hoje em dia em que tanta loja, por exemplo, lojas com história, infelizmente estão a acabar em Lisboa, a vossa empresa é um orgulho, não é? Manterem há mais de um século.
[00:02:01] Speaker B: Eu penso que haja mais empresas com mais de um século, que é o nosso caráter, mas dentro da mesma família, não. E com o controle do capital, não. Quer dizer, há, penso que, por exemplo, o Barista Alegre, tem mais de cem anos, mas já não pertence aos fundadores. É um exemplo, a Loja das Meias, efetivamente, continua na família Costa, desde 1906, e pronto, isso penso que não deve haver muitos casos. Penso que não deve haver muitos casos.
[00:02:29] Speaker A: E a história dessa loja cruza-se, ou tem-se cruzado ao longo do tempo, com a história da própria cidade, com a história de Lisboa. Como é que ela sempre acompanhou a modernidade? Uma loja que nunca cristalizou, sempre acompanhou os tempos. Nas várias gerações.
[00:02:46] Speaker B: Exatamente. Eu acho que tem a ver um pouco com a... Eu diria, com o ADN, com os cromossomos da família, de serem resilientes e, por consenso, não estarem estagnados. Há uma lógica de, quando se acaba de fazer uma coisa, tem que se pensar logo na próxima. E, por consenso, nós fizemos agora uma coisa, deixa estar agora descansado, que isto agora vai... a lógica é sempre estar à frente, e eu acho que isso passou de geração em geração, do meu bisavô para o meu avô, do meu avô para o meu pai, do meu pai para nós os três, e porque isso foi sempre uma lógica de não se resignarmos ao status quo, quer dizer, há sempre... se está bem, tem que haver qualquer coisa melhor que isto, e vamos ter que procurar fazer algo melhor ainda.
[00:03:31] Speaker A: E um dos marcos foi logo nos... embora isto seja uma conversa mais direcionada para os anos 80, mas nos anos 60, por exemplo, foi a primeira loja a ter pronto-a-vestir, não é? E de marcas internacionais.
[00:03:45] Speaker B: Exatamente.
[00:03:45] Speaker A: Itália, França, Inglaterra.
[00:03:48] Speaker B: É mais ou menos nos anos 60 que aparece o pronto-a-vestir. Sendo que o espírito internacional da família sempre foi muito grande. Por exemplo, o meu bisavô era um grande colecionador de obras de arte. e viajava bastante para Paris, na altura, que era a cidade talvez de referência.
[00:04:07] Speaker A: Onde tudo acontecia.
[00:04:08] Speaker B: Onde tudo acontecia. E a minha bisavó era muito sensível às roupas e aos figurinos. E, por exemplo, enquanto muito o meu bisavó ia para os leilões, para comprar obras de arte, a minha bisavó ia ver os figurinos, ia para ali para a Rua de Rivoli, que era na altura a rua que era importante em Paris nesta altura, ver o que se passava com as coisas, etc. E porquê? Porque, na realidade, nessa altura o que se fazia era vendia-se os tecidos, e havia uma série de costureiras no último andar do edifício em que faziam os vestidos para as senhoras, seja para a família real, seja para as pessoas da corte, seja para a nobreza, seja para qualquer outro tipo de pessoas. Porque é o seguinte, a minha avó sempre teve este espírito internacional, a minha bisavó, peço desculpa, sempre teve este espírito muito internacional devido a estas permanentes viagens e isso o meu avô herdou porque também sempre se habituou a viajar com o pai dele. O meu pai também se habituou a viajar com o pai dele e nós também nos habituámos a viajar com o nosso pai. Esta lógica de procurar coisas internacionais, coisas diferentes, lá está eu a não estar, entregue aquilo que nos aparece. Temos que ir para coisas diferentes. E esta é uma maneira de estar na empresa e que se repercute exatamente pela procura de marcas internacionais e quando aparece o pronto a vestir, laçar o pronto a vestir com marcas internacionais também, que estariam na altura muito na vela.
[00:05:22] Speaker A: E ainda por cima, uma grande preocupação pela diferença numa altura que até nem havia grande concorrência, não é?
[00:05:28] Speaker B: Não.
[00:05:29] Speaker A: E foi a primeira loja que começou a vender uma famosíssima marca de jeans.
[00:05:35] Speaker B: O meu pai conta muito bem essa história, que é as calças leves, e conta muito bem a história que tinha um grande amigo dele, que era o Moisés Broder, que morreu e faleceu há relativamente pouco tempo, e que também era uma pessoa toda, o self-made man, e chegou ao pé do meu pai e disse tratava por nome de amigo, que é o Petó. O Petó tem aqui uma coisa nigeríssima agora, está muito na moda, são umas calças de gangue, uns jeans, etc. Isto agora nos Estados Unidos, isto aqui é o último grito. Então, o meu pai sempre com aquele espírito de inovar. Traz umas calças, eu quero comprar. Como é que é? Olha, isto traz, vem em caixas de, sei lá, 40, 50. Quantas é que tem? Tanto. Traz umas calças.
[00:06:16] Speaker A: Sem ver primeiro.
[00:06:17] Speaker B: Sem ver. Se é novo, vem. As calças, uma semana ou quinze dias depois chegaram, e era uma caminhoneta a descarregar fardos, nem vinham em caixas fardos, como a gente conhece os fardos de palha, mas eram fardos de calças de ganga, assim, para o passeio e depois do passeio para dentro da loja. Bom, o gerente de loja na altura, que era o Sr. Pinhão, virou-se para um pai, Sr. Pedro António, uma avó inatrabalhável, ou Sr. Pedro António, eu tenho que falar com o seu paizinho, como é que ele tratava o seu paizinho, porque o senhor vai dar cabo da loja. O senhor está a estragar a imagem desta loja. Isto não é para estar a vender calças em fardos e que venham assim aos trombos e as capas dentro. Ou a sua opinião? Tenha calma. Bom, as calças chegaram... Desculpe, tudo isso ainda no recibo? Isto tudo no recibo. As calças chegaram. O que o meu pai me dizia era que duas semanas desgotaram-se. E o meu pai fala para este amigo dele, para o Moisés. Oh Moisés, arranja-me lá mais calças que isto desgotou-se tudo. E o próprio Sr. Pinhão, na altura, pensou, olhe, superação de produtor não tinha razão. Isto, de facto, está a pegar. Portanto, são histórias. Há muitas histórias na empresa.
[00:07:18] Speaker A: Não é de admirar, com tantos anos de existência. E depois, também, com o 25 de Abril, a loja das meias acabou. Ainda há pouco falámos de marcas internacionais, mas também foi muito importante para impulsionar a produção nacional nas fábricas portuguesas.
[00:07:34] Speaker B: O que é que trouxe o 25 de Abril? Trouxe uma grande limitação das importações devido às restrições de divisas, porque ainda havia muito controle das divisas e, por conseguindo, havia boletins de registro de importação e tudo que vinha de fora tinha que passar pelo Ministério do Comércio na altura, pela SEP, era de facto complicado e a moda tem uma coisa, eu chamo sempre a moda, é como os iogurtes no supermercado, aquilo dura pouco tempo, não é? A moda estão livres seis meses, ao fim dos seis meses Há outra ideia e não pode estar ali à espera seis meses ou três meses por uma alteração para importar. Aí o meu pai, de facto, teve muita visão e fez uma viragem completa do fornecimento da loja, manteve ainda a importação de uma série de muitas coisas, Eu diria que 60% da mercadoria passou a ser feita em Portugal. Como deles que o meu pai e a minha mãe encontravam no estrangeiro, depois davam a produção em fábricas portuguesas, com inclusive marcas de fatos de bem, que na altura que era o Grupo La Perla, em que era tudo importado, passámos a ter licenças para produzir em Portugal tudo isso, e porque de facto houve muito... Eu lembro que o meu pai viajava duas ou três vezes por ano para Paris e para Londres, que eram mais ou menos os dois mercados, Milão aparece um bocadinho mais tarde, E passou a viajar praticamente todas as semanas para o Norte, para as fábricas, mandar fazer tudo e mais alguma coisa. E, de facto, resultou bastante. Resultou bastante porque também, ao mesmo tempo, assiste-se a seguir um 25 de Abril a uma classe emergente, com mais disponibilidade de dinheiro. e que também aumentou o consumo. Aquilo que se podia pensar em alguma solução, o consumo vai baixar. Pelo contrário, as vendas continuaram sempre a subir. Por um lado, porque as pessoas passaram a ter mais disponibilidade, e por outro, porque também a mercadoria que encontravam também era mais acessível, porque a mercadoria tinha estrangeira. Além de pagar direitos, demorava mais tempo, e assim houve aqui uma grande mudança.
[00:09:26] Speaker A: E é curioso falar da classe emergente que de facto surgiu nessa altura, com mais poder de compra, mas é curioso.
Podiam estar mais vocacionados para uma moda mais internacional. Certamente pensariam que lhes daria mais estatuto. Como é que aceitaram bem, o mercado aceitou bem a produção nacional?
[00:09:50] Speaker B: Aceitou porque a empresa tinha, a marca tinha uma grande notoriedade. e por conseguinte, havia uma grande confiança na qualidade, não só intrínseca do próprio produto, como do design, da atualização, e por conseguinte as pessoas aceitaram com muita facilidade esta grande mudança, feita pelo Boa Pai na altura, e não houve grandes problemas com adesão. Quer dizer, sempre aquele cliente que diz que já não é igual ao que era, disse que não vamos dizer que não pode ter existido um caso ou outro, mas no global que é isso que interessa, a empresa que continuou a procurar numa velocidade com taxas de crescimento altíssimas e porque assim, foi de facto, não tenho qualquer tipo de dúvida, a melhor solução. Há muitas outras empresas na altura, multimarcas que concorreram com a loja das meias que não fizeram exatamente o mesmo tipo de estratégia e desapareceram.
[00:10:42] Speaker A: E ainda na década de 70 começa então a expansão da loja das meias. Primeiro aqui para o Centro Comercial Castil e já nos anos 80 para as Amoreiras. Uma coisa curiosa que eu li sobre o seu pai é que considerava na altura as Amoreiras o centro do futuro.
[00:11:00] Speaker B: Foi uma aposta arrojada. A aposta da Castile já foi numa lógica de se aperceber que tinha que haver uma proximidade da oferta junto ao cliente, não era uma lógica antiga que as pessoas se deslocavam onde estavam as lojas, as pessoas eram obrigadas a ir aos sítios das lojas, que era a lógica do chiado e de uma baixa, que não havia mais nada, não é? Mas as materialidades começam-se a alterar e há uma necessidade de aproximar cada vez mais a oferta aos clientes. E a Castile na altura era uma zona residencial com bastante nível em termos económicos. Apareceu aquela oportunidade, na altura, por Conceição e Silva, por arquiteto Conceição e Silva, que é o autor do projeto do edifício Castilo, falou com o pai. O pai, na altura, ainda com o avô, achou bem e avançaram para a Castilo. E foi, de facto, uma boa aposta, mesmo sabendo que ela abriu em 71 e três anos depois, dois anos depois, há o 25 de Abril. que poderia... não se sabia, na realidade depois não foi mal, foi ótimo, mas foi um passo que foi dado com grande responsabilidade, mas também com grande risco. As Amoreiras aparece como o primeiro grande centro comercial de Portugal. Havia o Apolo 70, havia o Arco Íris, havia pequenos drugstores, mas o grande.
[00:12:22] Speaker A: Centro comercial de Portugal...
[00:12:25] Speaker B: A da Moreiras era, efetivamente, o projeto de Portugal, porque não havia nem sequer nas outras cidades. Era o grande centro comercial. E, mais uma vez, na lógica de aproximar a oferta ao cliente, as pessoas começaram. Cada vez mais, a da Moreiras abre em 1985. E depois quando falámos da moda do 85 é importante perceber que é quando começa a haver uma clara distinção entre o homem e a mulher, até no tipo de roupa que se produz, porque as mulheres também começam a trabalhar, começam a ter necessidade de roupas para trabalhar, quando nos anos 70 as coisas eram mais unissex e não havia tanta esta competição entre o homem e a mulher, que foi muito produtiva. E por consequente começou-se a ter, as pessoas começaram a estar muito mais numa lógica work-addict, que era um conceito que se utilizava muito nos anos 80, os youppies e o work-addict, em que as pessoas de facto estavam empenhadas no seu trabalho e porque assim tinham cada vez menos tempo para apalazer ou apalazer nas competições. Esta lógica do centro comercial aparece exatamente nesse momento e o pai não teve qualquer tipo de hesitação. Eu assisti na altura, porque já estava a trabalhar com o pai, assisti na altura à negociação do centro comercial, na altura com os Alves Ribeiro, e de facto, tanto para eles como para nós, eles, Alves Ribeiro, os donos do projeto, que também quer uma grande vida, era uma coisa muito grande, como é que a gente vai conseguir alugar isso tudo, como para o pai também, na altura, para entrar numa lógica daquelas abertas de segunda à segunda, das 10 às 11 da noite, era tudo diferente, era tudo diferente.
[00:13:48] Speaker A: Até o horário, não é, de funcionamento.
[00:13:49] Speaker B: O número de equipas, o número de tudo, foi tudo diferente, mas foi um projeto que logo de início correu muito bem.
[00:13:55] Speaker A: Foi fácil a adaptação?
[00:13:56] Speaker B: Foi, foi fácil. Quer dizer, teve que ser feita em termos de organização, mas a clientela aderiu, quer dizer, provou que de facto era uma necessidade ter este tipo de comércio disponível para os consumidores e para os nossos clientes.
[00:14:12] Speaker A: E descentralizado, não é?
[00:14:13] Speaker B: E descentralizado mais uma vez.
[00:14:14] Speaker A: Até porque nessa altura a baixa Começa a sofrer um pouco essas consequências?
[00:14:21] Speaker B: Ainda não. A Baixa começa a sofrer mais tarde. A Baixa começa a sofrer... Por volta do ano 2000 já se sentia, já havia uma deslocalização muito do comércio de luz e da clientela de luz da Baixa, mas nos anos 80 ainda não, ainda era a loja número um.
[00:14:40] Speaker A: Neste momento, quantas lojas é que tem?
[00:14:42] Speaker B: Nós temos, com a Loja das Meias, temos atualmente duas lojas, uma nas Amoreiras e outra em Cascais, que também foi um projeto que aparece mais tarde, em 95, acho que eu fiz a parecida.
[00:14:53] Speaker A: O mercado de luxo pode dizer-se que sempre foi desenvolvido pela Loja das Meias, mas nos anos 80, Era diferente ou não? Ou nem por isso?
[00:15:06] Speaker B: Era completamente diferente. Era completamente diferente. Eu acho que nos anos 80, falaríamos de três ou quatro marcas importantes. Portugal era, assim, o ponto mais ocidental da Europa. Ninguém sabia onde é que existia, onde é que era. Porque, de facto, as empresas do luxo, elas próprias também, eram cada uma por si, porque eram os próprios fundadores que geriam as empresas, e porque assim, era uma lógica muito diferente. Houve uma alteração muito grande, na realidade, nos anos 80 sentimos, sentia-se que nós, o retalhista, quem tinha loja, Escolhi aquilo que queria e tinha algum comando sobre o tipo de marcas que queria ter comercializado. Hoje em dia o comando é feito para as marcas, é uma inversão total, elas controlam, até porque deixaram de ser unidades individuais, começaram-se a concentrar em grandes grupos económicos. Porque assim, há uma grande diferença. E mesmo a nível da clientela, a clientela que comprava luxo nos anos 80 era um nicho de mercado, hoje em dia o que se fala de luxo acessível. Eu digo sempre que o luxo começa onde a razão ultrapassa o materialismo. Sempre que a emoção ultrapassa a razão, nós entramos no mercado hoje. E aqui consegue-se ver tudo o que é que é hoje.
[00:16:46] Speaker A: Por outra, Pedro Miguel Costa, aperte-se a cabeça.
[00:16:48] Speaker B: Exatamente. Isso é mais... Sempre que a emoção ultrapassa a razão, nós entramos no mercado de luxo. Isso aplica-se a qualquer coisa. E isso, efetivamente, hoje, não está só... Este conceito não está só na cabeça das pessoas, dos milionários. Este conceito está na cabeça de todas as pessoas. Há pessoas é que provavelmente sacrificam muito mais do seu rendimento disponível para ter acesso a essa emoção e outros com muito menos. O que é que eu quero dizer com isso? É que o luxo hoje em dia está acessível a um grupo muito grande de pessoas. O mercado de luxo cresceu exponencialmente desde os anos 80 até agora.
[00:17:25] Speaker A: Mas ainda nos anos 80, estamos a falar de uma época em que surgiram muitos designers, muitos criadores que de facto marcaram a moda dessa... dessa altura e a Loja das Meias recebeu bem esses novos talentos?
[00:17:39] Speaker B: Recebeu, quer dizer, aqueles que o meu pai na altura entendia que estavam adequados ao tipo de clientela que tem, que tinha. Claro que sim, eu vou-lhe dar um exemplo, por exemplo, a Christin Dior é um exemplo, desde o princípio, desde... A Christin Dior está na Loja das Meias desde 1964, por se está a ver, a história que tem e que teve na identeologia.
[00:18:03] Speaker A: Mas é um nome que se pode... é mais clássico, digamos assim.
[00:18:07] Speaker B: É, começou mais, mas hoje em dia até é o número um. No mercado da moda e do luxo é a marca número um. Mas depois há criadores como o Armani, há criadores como o Yves Saint Laurent, e estamos a falar Muito na época do 80, ok? Há criadores como o Mugler, há criadores como o Jean-Paul Gaultier. Temos a falar de muitos criadores.
[00:18:29] Speaker A: Ingleses, britânicos também.
[00:18:30] Speaker B: Ingleses também, que entraram e que passaram pela loja das meias, na altura que eles estavam. E porquê? Na altura, como disse bem, era a única empresa que vendia marcas de luxo e essas marcas, não porque procuraram em lojas das meias, mas muito porque o meu pai ia procurá-las, falava com eles, Lisboa, mas isso onde é que fica? Ah, isso é ali em Portugal.
Claro que sim, claro que sim, senhor Costa. Não há problema nenhum. Passa lá a encomenda. E dava as encomendas, não é? Hoje em dia a história é completamente diferente.
[00:19:00] Speaker A: Então tinha uma clientela para todos os gostos, desde a mais ousada à mais tradicional.
[00:19:04] Speaker B: Tinha, tinha, tinha. Havia de facto um... Sendo que havia pouca oferta, a segmentação não era tão grande. É uma consequência de não haver tanta oferta, é que a segmentação fica muito mais pequena. Assim, teve um leque muito maior, não só de gosto, como de idades, de clientela dentro da loja das meias.
[00:19:23] Speaker A: Nos anos 80, aquela moda tão irreverente e muito pelas cores, pela mistura de cores. Aliás, diz-se que a moda dos anos 80 foi uma bomba. Como é que as pessoas reagiram primeiro, logo no início?
[00:19:38] Speaker B: Eu acho que para perceber bem, a moda dos anos 80 tem que ser aos anos 70, ok? Muito resumidamente. Eu acho que os anos 70 foi aquela moda dos hippies, aquele conceito sex, drugs and rock and roll, o conceito make love and not war. Um culto um pouco anarquista, um pouco mais preocupados com viver a vida. Eu, como é evidente, falo isto em termos genéricos, que não será todas as pessoas, mas era um pouco este culto de viver a vida, pouca preocupação com o corpo, mas é importante ter a lógica do rock, do sexo e das drogas. Aquilo tudo explodiu nos anos 70, ok? os anos 80 começa a haver uma consciência maior para a saúde e para o corpo e por isso as pessoas começaram-se a preocupar um pouco também e aparece, por exemplo, a moda do aeróbico aparece nos anos 80. E por quê? Porque as pessoas, faz parte da evolução civilizacional e começaram muito a procurar coisas mais pela saúde, sendo que o espírito irreverente, colorido, de ombros muito largos, cinturas bem apertadas, etc., existia bastante nessa altura.
[00:20:55] Speaker A: E trazia mensagens. Pode-se ver, enfim, a coisa dessa forma. Que mensagens é que a moda dessa altura quis, pela explosão das cores, por uma roupa muito estruturada?
[00:21:09] Speaker B: Eu acho que é parecida com os anos 70, com condimentos diferentes. É viver a vida. É sentir-se bem.
[00:21:16] Speaker A: E as pessoas naquela altura gostavam de se apresentar bem.
[00:21:18] Speaker B: É viver-se bem, é estar bem na vida, etc. Enquanto nos anos 70, o normal era, lá está o sexo, rogues and rock'n'roll, era viver a vida também de uma forma diferente, mas dez anos depois as pessoas, espera isto, tem que haver outras maneiras de viver. E a vida era... Era ser um yuppie, ter sucesso profissional, a mulher também estar a trabalhar, competindo com os homens nas empresas, é o corpo, porque o consíntio é aeróbico, é as cores, ela está a viver, é com alegria, cores, flores, estampados. A tecnologia dos tecidos muito importante aparece, as líquores, as poliérceas aparecem... Novos materiais, não é? Novos materiais, para a líquora porquê? Porque está justinho o corpo, mais confortável, mas as pessoas estão todas no ginásio a produzir-se e depois como é que é?
tem que evidenciar as melhorias que fizeram. Porque, assim, tudo isto tem, talvez, um denominator comum que é a preocupação com a saúde e com o corpo e a longevidade, etc. Enquanto nos anos 70 não havia preocupações com a saúde e com a longevidade. nem sequer era uma preocupação, isto está de lá para tudo. E nos anos 80 as pessoas começam a ter uma preocupação diferente, assim, de viver a vida bem e com melhor saúde. Talvez é isso que possa caracterizar melhor os anos 80.
[00:22:30] Speaker A: E há pouco o Pedro e o Miguel Costa estavam a falar da moda feminina em que as mulheres começaram a emancipar-se. Como é que isso se refletiu, então, na moda dessa época?
[00:22:39] Speaker B: Bom, para dar um exemplo, a mulher executiva para trabalhar, o homem O homem trabalhava com, nos anos 80 e 70, com fata e gravata. A mulher, para competir com o homem, não podia de ir de mini-saia nem de salto de salto, porque se devia passar a ver o quê? O taier.
que é, talvez, o blazer e as calças, o blazer e as calças. A construção do tailleur é, de facto, uma evolução da moda, nos anos 80, que responde exatamente a esta necessidade das mulheres competirem com os homens nos empregos, nos carros mais elevados, e é uma consequência que aparece, porque a gente começa.
[00:23:18] Speaker A: A ver muita Estamos a falar justamente dessa época. Mas aí já está. Aí há muita cor, não é?
[00:23:23] Speaker B: Há cor, há cor.
[00:23:24] Speaker A: Isto foram as montras daquela altura, não é?
[00:23:26] Speaker B: São montras dos anos 80, com muita cor. Lá está os ombros largos, as cinturas com os cintos grandes e bem marcadas. E lá está aí.
[00:23:35] Speaker A: Para mostrar bem a silhueta.
[00:23:36] Speaker B: Para mostrar a silhueta da mulher. E de facto é numa altura em que se faz uma separação claríssima entre a moda feminina e a moda masculina. que nos anos 80 misturava-se um pouco. Aquela lógica dos jeans e calças à boca de sino e os lenços na cabeça tanto usavam os homens como as mulheres. Mas nos anos 80 começa a haver esta clara distinção entre um e outro.
[00:23:58] Speaker A: Mas também houve uma corrente nessa época que era a androginia, não é?
[00:24:02] Speaker B: Sim, sim.
[00:24:02] Speaker A: Mas também havia ali uma fusão... Nunca.
[00:24:07] Speaker B: Foi e nunca será uma única tendência que defina a moda. Nós estamos a falar, para já, de veradíssimos mercados, depois de veradíssimas culturas, depois de veradíssimas civilizações. Há, de facto, uma linha que se pode dizer predominante, mas há sempre variantes em qualquer altura. Não quer dizer que nos anos 80 não tenha havido desenvolvimento. Vou dar um exemplo. Aquela loja da Baixa dos Porfírios tem um sucesso enorme nos anos 80 e seguiu uma lógica muito deep. E teve imenso sucesso sempre, porque o seguinte, lá está, não é obrigatório que sejamos todos em carneiragem numa determinada tendência. Há uma linha, há um denominador comum que se pode, talvez, caracterizar.
[00:24:49] Speaker A: E há várias tendências que entroncam e depois resultam. E também vestiam os manequins masculinos com a famosa meia branca, que é uma marca dos anos 80.
[00:25:00] Speaker B: Não, eu, olha, não me recordo dessa altura. Não me recordo. Recordo-me muito, por exemplo, não da meia-branca, mas recordo-me muito, por exemplo... Que aliás está a voltar. Recordo-me muito dos ténis. O nascimento dos ténis, dos sneakers, tal e qual como hoje em dia, eu acho que 90% das pessoas andam de ténis, aparece nesta altura também. Isso se lembra perfeitamente daquelas marcas portuguesas com os ténis, aquela coisa que tem o ténis, tipo bota, que se usava. Isso tudo nasce nos anos 80. A meia-branca, propriamente dito, lembro-me da meia-branca para jogar ténis. Com o fardamento dos ténis agora.
[00:25:44] Speaker A: Havia muito boa gente que usava com sapatos. Foi uma marca, uma marca dos anos 80. E era também uma altura em que nos anos 80 realizaram-se tantos eventos com figuras políticas, figuras públicas, desculpe, pessoas ligadas à moda, havia uma imprensa cor-de-rosa muito ávida de cobrir esses acontecimentos. A loja das meias chegou a haver produções de moda nessa época.
Nomeadamente para as revistas da especialidade.
[00:26:16] Speaker B: Produções de moda, tal e qual como nós as conhecemos hoje, não. O que havia eram muitos eventos de cor-de-rosa, que se faziam. Coquetéis, apresentações de coleções, inaugurações de lojas, isso havia muita coisa.
[00:26:29] Speaker A: Apresentamentos de novos produtos.
[00:26:30] Speaker B: Novos produtos, e que de facto estávamos sempre presentes. Lembro-me de haver festas no Algarve, havia uma presença muito grande na imprensa, nessa altura, sendo que eu, por acaso, não tenho de cabeça quando é que nasce a primeira, para mim, das primeiras revistas de moda, que era a Máxima, eu não tenho ideia, eu acho que ela acaba por aparecer um bocadinho mais tarde, dos anos 90, penso eu, mas lá está. Comunicação de moda passava-se muito pela parte, era a revista Olá, Semanário, do Semanário, era talvez a maior referência, Era por aí que se passava com a Maria Guadalupe.
[00:27:14] Speaker A: E eles e elas também.
[00:27:15] Speaker B: Eles e elas também passavam. E depois a primeira publicação dedicada, efetivamente, à moda é a Máxima. E essa, eu acho que ela aparece mais tarde, nos anos 80. Eu não tenho, por acaso, a data da Máxima, mas tenho sim. que teria finais de 80, princípios de 90, quando aparece a revista Más. E aí sim havia produções de moda. Havia aquela lógica deles irem buscar roupa às lojas, depois com os manequins fotografavam e depois saíam às reportagens.
[00:27:42] Speaker A: Mas dentro das lojas?
[00:27:43] Speaker B: Não havia muita... Não, não. Em estúdios ou em viandos fora da loja.
[00:27:47] Speaker A: Viandos fora da loja. Ó Pedro Miguel Costa, muito obrigado por ter vindo para esta conversa sobre os anos 80.
[00:27:54] Speaker B: Muito obrigado.
[00:27:55] Speaker A: Muito obrigado para quem nos acompanhou. Podem seguir-nos no Spotify, Apple Podcast e nas redes sociais do ACP.