Episode Transcript
[00:00:07] Speaker A: Sejam bem-vindos a mais um podcast do Automóvel com Portugal. Sou o Mário Vasconcelos e hoje tenho como convidada Rita Brute, atriz. Rita, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite.
[00:00:15] Speaker B: Obrigada e eu.
[00:00:16] Speaker A: Começou a sentir o gosto pelo palco desde muito cedo. Como é que isso aconteceu, Rita?
[00:00:22] Speaker B: Sim.
Fui aos 9 a dançar.
E experimentei uma sensação que não acontecia mais de lado nenhum, que é o encontro entre o público e o artista, ou, neste caso, uma criança a divertir-se em cena.
E acontecia uma coisa extraordinária, como se tudo aumentasse de tamanho, como se houvesse uma espécie de magia. E achei que devia repetir aquilo mais umas vezes, ou até ao resto da minha vida.
[00:00:48] Speaker A: Então isso queria dizer que não era uma criança envergonhada, tímida?
[00:00:53] Speaker B: Não, não, nada.
barulhenta, ocupava o meu espaço.
[00:00:59] Speaker A: E depois, como é que foi, com o tempo, como é que foi explicar à família, justificar à sua família que o seu caminho era esse?
[00:01:07] Speaker B: Eu acho que era muito visível e muito evidente.
[00:01:11] Speaker A: Mas eles ficaram um bocadinho renitentes, não, de início?
[00:01:14] Speaker B: Não, não, era muito... Eu, felizmente, cresci...
a ser respeitada na minha individualidade e era visível que eu ocupava o meu espaço e sempre tive a alcunha da artista, da família, apesar de ninguém na família ser artista, ou pelo menos da família imediata, como a mãe médica, ou seja, os meus irmãos e a minha família era toda a gente Toda a gente bastante livre e bem disposta, mas tudo com profissões muito direitinhas.
Como é que isto se diz sem ser assim?
[00:01:46] Speaker A: A minha pergunta surgiu justamente por isso, por serem pessoas com... Nenhuma da família próxima tinha uma atividade... Artística, não.
[00:01:53] Speaker B: A minha mãe era médica, o meu pai geria as suas propriedades, os meus irmãos foram para a arquitetura, a minha irmã foi para a engenharia agrónoma. Ou seja, de facto, houve ali um período de dúvida.
que foi quando eu comecei a estudar teatro e decidi que não ia para a universidade.
E como não entrei logo no conservatório, na Escola Superior de Teatro e Cinema, eu fui trabalhar durante o dia e fazer teatro à noite. Aliás, fui primeiro fazer teatro à noite. E a minha mãe disse-me, muito bem, vais fazer teatro à noite, mas não vais ficar o dia todo sem fazer nada, por isso vais trabalhar.
E ainda bem que ela fez isso.
Porque me deu estrutura, porque comecei a trabalhar aos 18 anos, e criou um sentido de urgência, de seriedade e de compromisso depois de continuar os estudos na área, muito maior, porque já sabia o que era o mercado de trabalho, mesmo que não fosse na minha área, porque fui trabalhar para lojas, em seriedados e fui trabalhar em tudo o que havia para fazer.
E depois, quando comecei a fazer teatro amador, Lembro-me de recusar o primeiro trabalho normal e pedir autorização à minha mãe, na altura. Dizer assim, convidaram-me para fazer um espetáculo.
Posso recusar o meu trabalho durante o dia para ir fazer este espetáculo? E ela disse, podes. Mas tens de pensar o que é que vai ser o teu futuro.
E como é que vais continuar a estudar para isto, de ser uma coisa séria. E então aí sim fui fazer cursos profissionais, fui fazer a Escola Superior de Teatro, muito mais velha do que os meus colegas, ou do que a maior parte dos meus colegas, porque quando entrei na Escola Superior tinha 20 anos. Os outros não eram muito mais velhos, eram dois anos mais velhos.
mas já com um sentido de urgência e de compromisso mais maduro.
Esse percurso foi ótimo também para mim, porque se calhar se tivesse sido tudo rápido e cedo, teria sido um bocadinho mais leviana e não foi.
[00:03:38] Speaker A: Tinha outros resultados, certamente.
Um dos trabalhos que fez, creio que no início do seu percurso, foi participar naquela série de televisão, Conta-me Como Foi, que é uma série cujo original é espanhol, portanto a RTP fez a versão portuguesa. Como é que foi participar nessa série, que foi, a meu ver, excelente?
[00:04:05] Speaker B: Foi uma experiência muito enriquecedora, como primeira experiência de televisão.
Na altura eu não sabia que era um projeto feito com imenso cuidado, com imensa pesquisa. Havia uma equipa de pesquisa histórica, muito séria.
Os dias eram divididos em quatro cenas de manhã, quatro cenas à noite, que é impensável hoje em dia em televisão.
normalmente é o dobro, e isso fazia com que as cenas fossem discutidas, ensaiadas, com imenso cuidado, e os atores, aqueles atores especificamente mais velhos, que foram a minha primeira escola de televisão, que é a Miguel Guilherme, a Rita Blanco, a Catarina Avelar, Também tinham um cuidado muito grande com o que estavam a fazer e as cenas eram discutidas e pensadas entre todos. Havia um espírito colaborativo e responsável, também de grande fruição e de grande divertimento e descontração e criámos ali um ambiente de família, mas era tudo feito com imenso cuidado.
Depois, quando a coisa já estava encarreirada e em velocidade cruzeiro, já não era preciso haver tanta reflexão como no início, e as coisas fluíam. Mas sempre que havia uma questão de como é que esta história vai ser contada, havia em cada episódio um acontecimento real. Normalmente um episódio do Conta-me Como Foi abria com uma notícia da época, da época que estava a ser contada.
Então, tanto os espectadores como quem está a contar a história faziam uma ponte de memória, se tivesse vivido a época com aquele acontecimento, ou, se não tivesse vivido a época, aprendia sobre aquele acontecimento, como foi o que me aconteceu a mim. Eu nasci em 82, por isso não vivi os anos 60. E esse cuidado foi uma coisa com a qual eu nunca mais me cruzei em televisão, esse nível de cuidado. Por isso, como é que foi fazer o Conta-me como foi?
Foi extraordinário em termos profissionais e de documentação histórica, ficcionada, mas histórica também.
E, em termos pessoais, foi maravilhoso porque fiz grandes amigos e aprendi imenso.
[00:06:06] Speaker A: Paula, a pena aqui recordar que o argumento é focado na evolução socioeconómica de Portugal desde os finais dos anos 60 até à década de 80. É uma série que acha que mexeu com o saudosismo dos portugueses.
E há pouco já referiu isso mesmo.
[00:06:28] Speaker B: Sim, sim. Eu acho que no sentido em que as pessoas fizeram um ponto...
[00:06:30] Speaker A: Muitos reviram-se, certamente, os mais velhos.
[00:06:32] Speaker B: Imensos reviram-se. E naquele formato inicial foi de 68 a 74, até à manhã de 25 de abril de 74, que se fez um levantamento do que era uma família remediada.
de Lisboa, dos arredores de Lisboa.
Claro que se fez uma ponte com, ou seja, a história original era espanhola, e era muito fácil fazer uma ponte porque vivemos períodos políticos nessas alturas muito parecidos, apesar deles terem provavelmente uma liberdade muito maior do que a nossa.
na altura, mesmo em termos de imediatos, do que é que se podia dizer em casa, das atitudes que um jovem.
[00:07:07] Speaker A: Ou uma jovem... De costumes, está-se a referir a isso.
[00:07:10] Speaker B: Sim. Porque uma rapariga espanhola nos anos 60 e uma rapariga portuguesa nos anos 60, naquela situação económica, eram provavelmente muito diferentes.
Por várias razões. Mas eu acho, e cruzei-me com mulheres que me vieram contar as suas histórias e que se reviram na minha personagem, Eu acho que nós vimos um legado cultural, judaico-cristão, que principalmente para as mulheres foi muito esmagador. Principalmente uma mulher que tenha crescido com amor, com estrutura, com isso tudo, mas sem dinheiro e sem liberdade.
E então, pronto, eu acho que foi muito importante pôr esse tipo de assuntos em cima da mesa.
E houve muitas posições políticas que não foram tomadas, ou seja, em termos de contar a história, não se escolhiam lados, contavam-se factualmente e houve imenso cuidado nisso, para poder contar apenas histórias de pessoas E havia sempre, se calhar, uma personagem que estava mais de acordo com o regime e outra personagem que estava a combater questões do regime. E eu acho que isso foi muito inteligente, porque fez com que a série fosse transversal e toda a gente pudesse pensar sobre aquilo e ver o outro lado.
Que é uma coisa que faz falta também, não é? Que nós possamos...
E eu acho que é uma coisa que agora acontece menos, e que as pessoas se crispam muito mais com quem não concordam, do que antes.
Porque é essencial que possamos conversar com quem não pensa como nós.
É essencial que possa existir esse diálogo, essa plataforma de entendimento.
[00:08:42] Speaker A: Recorda-nos que papel é que interpretou nessa série.
[00:08:45] Speaker B: Eu era a Isabel, a Maria Isabel, que era uma miúda, a filha mais velha, a filha mais velha não, a filha do meio, de três irmãos, que não pôde ir para a universidade, nem sequer se pôs a essa questão. Quem foi? Foi o filho mais velho, porque era o rapaz, e ela foi trabalhar e depois começou a tentar ser atriz. E quando começou a tentar ser atriz, aí sim foi... O que aí, ao contrário de mim, Rita Bruta, em 1999 ou 2000, quando comecei a pensar nisso, esta Maria Isabel, em 1968, 69, Teve uma resistência brutal da parte dos pais. O que é isto? O que é que tu vais fazer? Depois fui viver para uma comuna com colegas, com artistas. Fui experimentar tudo. Fui ser livre. Fui experimentar ser livre. Fui pioneira na mini saia, no seu bairro, no biquíni. Todas aquelas coisas que depois eu tinha alguém que me vinha a dizer. Ah, eu também fui a primeira. Ah, eu também usei um biquíni nessa altura. Era um escândalo.
Eu acho que foi muito interessante terem pintado as personagens com essas cores e, para mim, foi espetacular poder ter feito essa mulher. Essa mulher que, como a série durou muitos anos, pudemos acompanhar o seu percurso. E isso é, para qualquer ator, poder fazer uma personagem durante tanto tempo e crescer com ela.
como me aconteceu, principalmente ao Luís Ganito, que fez o Carlitos, esse sim pode crescer.
Ele tinha 8 anos quando começou e agora, na última temporada que fizemos, ele tinha 21. Esse sim cresceu muito. Mas todos nós, nesses períodos de tempo muito alargados, crescemos.
[00:10:21] Speaker A: E foi com esse trabalho que começou a ter maior visibilidade com o Matriz.
[00:10:25] Speaker B: Sem dúvida, sem dúvida. Ou seja, a televisão é sempre uma plataforma, foi uma rampa de lançamento.
A seguir a isso, eu fazia par romântico com o Manuel Viborg, que era o padre Vítor, que eu desviei, que a Maria Isabel desviou do seu caminho santo.
E o Manuel Viborg aconselhou o Jorge Silva Melo, que na altura sempre foi diretor artístico e encenador dos Artistas Unidos, que me convidou para começar a fazer teatro com ele e a partir daí iniciou-se uma colaboração.
[00:11:01] Speaker A: Mas já lá vamos, Rita. Se foi nessa altura que começou a ter maior visibilidade como atriz, numa recente entrevista afirmou que quando começou a ser mais conhecida e a Cunha começou a ver a sua cara em todo o lado, teve um ataque de pânico no metro.
[00:11:18] Speaker B: Porquê? Não sei se foi um ataque de pânico. Acho que é capaz de ter sido um ataque de ansiedade.
Mas foi muito físico.
Então, em 2011, eu fiz a minha primeira novela.
E já tinha feito muita televisão, antes. E já tinha feito alguma exposição. Era reconhecida na rua, já. Mas aquele nível de exposição em que eu andava de metro e em todas as estações de metro havia aqueles escaparates, não é?
com a minha cara e com a cara da Sara Matos e do Pedro Teixeira, que eram os coprotagonistas da novela, e eu tive uma reação física. Comecei a ficar com a boca muito seca, com o coração a bater muito rápido e tive que sair na estação seguinte.
Eu acho que eu não estava preparada para aquilo.
[00:12:03] Speaker A: Mas porquê? Começaram a olhar para si, foi?
[00:12:05] Speaker B: E eu não faço a mínima, eu acho que não, eu acho que estava tudo dentro da minha cabeça. Ou seja, sim, depois disso fui agarrada na rua num São João no Porto, em que uma miúda, imagine-se, São João, Ribeira, aquela descida da Ribeira que vai até o Rio de Ouro, eu com um grupo de amigos, que eu tenho imensos amigos no Porto, uma namorada do Porto, a minha mãe é do Porto, passa a vida no Porto, e uma rapariga, no meio do São João, agarra-me, olha para a minha cara, não olha mais para a minha cara, olha para os outros amigos, Aquilo para mim foi aquele tipo de...
[00:12:38] Speaker A: Abordagem.
[00:12:39] Speaker B: Abordagem, reação, a mim, era-me totalmente alien. Eu já tinha sido reconhecida na clube, apontada. Olha, gosto muito do seu trabalho, gosto muito do teu tempo como foi. Qualquer coisa assim, ligeira, e normalmente sabiam quem eu era.
eu era uma cara muito conhecida e ela não sabia bem quem eu era. Aquilo não era bem sobre mim.
Era por eu ser famosa.
A cara. E aquilo provocou-me uma estranheza muito grande. Eu não fazia ideia do que fazer com aquilo. E durou esse tempo, esse período inicial dessa novela, foi muito assim. E eu que tenho imensos colegas que fazem novela há muitos anos, que provavelmente convivem com isto diariamente e sabem o que fazer, ou têm uma máquina mediática à volta, ou seja, o próprio canal, os agentes, que ensinam a lidar com isto ou ajudam a lidar.
Eu não tinha nada.
Eu não tinha preparação para aquilo.
[00:13:35] Speaker A: Teve que ser à sua custa.
[00:13:36] Speaker B: Mas, Rita... Foi uma aprendizagem e faz parte. Ou seja, não é uma coisa má. Eu não sabia o que fazer com aquilo.
Depois aprendi.
[00:13:45] Speaker A: Não estava preparada ainda. Exatamente. Isso é um dos preços que se paga por ser atriz, não é?
[00:13:51] Speaker B: Mas é muito variável, porque depois o que acaba por acontecer, quando uma pessoa já sabe lidar com isso, primeiro cria uma distância de segurança e identifica mais facilmente os sítios onde pode acontecer.
Mas, por exemplo, eu fiz outras novelas a seguir a isso e fiz séries e fiz teatro e àquele nível nunca mais voltou a acontecer.
Foi aquele período específico.
E, entretanto, tenho os instrumentos. Primeiro faz parte do trabalho, depois é bom que tenhamos um público, porque precisamos dele. Porque se ninguém quiser ver um ator, o ator não existe.
O ator existe para fora, para o seu público, para contar uma história. Eu tenho o meu trabalho, as investigações artísticas que eu gosto de fazer, mas se eu as fizer só para mim ou só para o meu grupo de amigos, elas não têm expressão, não têm palco, não existem. Por isso, a notoriedade ou a atenção é muito útil para um artista. Até para conseguir uma reunião com um diretor artístico de um teatro importante.
Ou seja, porque depois o que isso traz existe a vários níveis, não é? Por isso é importante e é bom.
[00:14:59] Speaker A: E ainda a propósito do período que nós estávamos a falar nessa série Conta-me Como Foi, dos anos 60 aos anos 80, Rita afirmou uma vez que o Jorge Cibamello, que infelizmente já não está entre nós, foi um dos encenadores que nos anos 70 mudou a forma de fazer teatro em Portugal.
Como é que ele fez isso?
[00:15:20] Speaker B: Eu não ouvi, mas contaram. Estou a brincar.
O Luís Miguel Sintra e o Jorge Silva Melo e o Filipe Laferê, quando estavam na universidade, fizeram grupos de teatro e começaram a desenvolver uma maneira de trabalhar deles, com um lado de investigação e um lado de...
uma maneira de fazer que rompia um pouco com a formação teatral dos atores naquela altura em que um ator, quando começava a fazer... Pronto, não digo que tivessem sido os únicos, mas eles foram os precursores depois do teatro da cronocópia, que infelizmente também já acabou, porque não se quis que continuasse, e pronto, eu acho que nós temos uma relação com a cultura muito delicada, muito... se calhar mais... parecida com aquela relação de que alguém agarra alguém na rua, do que a curiosidade de ir ver o que é que aqueles artistas estão a fazer e o que é que eles estão a descobrir. E a cronocópia foi um sítio onde se fez isso, onde se fez uma espécie de laboratório de investigação, de criação, de experimentação, que depois, anos mais tarde, divergiram o Luís Miguel e o Jorge Silva Melo. O Jorge Silva Melo foi fazer outras coisas, foi para Londres e foi ser assistente do Streller.
E depois fez os Artistas Unidos nos anos 90, já. Também ele a ser precursor de uma coisa que se calhar só se faria em Berlim.
Quando ele foi fazer a capital, ele ocupou um edifício no bairro Alto.
com diversas salas, em que ele fazia um espetáculo aqui, um espetáculo de conferência na outra sala, depois o público circulava, que era uma coisa altamente inovadora, deu espaço a imensos novos atores para experimentarem, depois não os dirigia, dava-lhes motos para investigação, para experimentação artística, e depois retirava-se e ficava a ver a máquina artística a criar-se à sua frente.
[00:17:21] Speaker A: Mas, Rita, eu lembro-me que nessa altura isso foi um projeto e uma ideia que teve uma grande receptividade por parte do público.
[00:17:28] Speaker B: Pois, eu acho que há e haverá sempre público para isto e eu acho que nós só temos é de fazer e de pôr as coisas à disposição das pessoas, porque se existir as pessoas vão lá ver. O problema depois é que é a parte financeira, é a parte da estrutura do que é que segura aquilo. Porque, por um lado, não podemos cobrar às pessoas o valor que aquilo custa, porque não é justo, porque só alguns poderiam ir e porque não é sustentável. Por outro lado, se o Estado ou se as instituições não têm muita vontade que ele exista ou não percebem muito bem a importância daquilo, vai desaparecer, a tendência é para que desapareça. Porque em Portugal, quem é que tem, que outra estrutura que não o Estado? pode financiar a arte do ponto de vista da experimentação ou da inovação.
São coisas muito pequeninas. Ou então se for uma coisa como os Artistas Unidos quiseram fazer e fizeram depois, mesmo depois sem a capital, fizeram. São editores de tudo o que se faz de mais moderno no teatro contemporâneo. Eles vão ver estão dentro do meio em que as coisas aparecem e eles são imediatos espectadores disso e trazem textos contemporâneos para Portugal, traduzem, editam e põem em cena, que é um trabalho que o Jorge sempre fez e que eles continuaram a fazer mesmo depois da morte do Jorge.
Isso tem um valor inestimável, porque a inscrição, a literatura, permanece para sempre. Nós termos os autores contemporâneos cá, e isso vem do início da sua pergunta, como é que eles mudaram o teatro em Portugal?
assim, fazendo pontos diretos com o que se está a fazer cá, ter olho para isso e o Jorge tinha uma sensibilidade. O Jorge falava com toda a gente que estava a começar, sempre falou, sempre deu espaço para os ensinadores, para os autores, sempre pôs em cena novos autores e publicou-os, não só Fossa, o David Carnevale, em Itália, e o Spreggelburg, na Argentina, que ele foi buscar os textos e pôs em Senacá, mas também o André Mocaças, o João Pedro Mamed, que é encenador, o Ricardo Neves Neves, quer dizer, todos estes que agora começam a ser grandes e todos sabemos o nome deles, Quem deu palco, quem deu texto, quem deu papel e lombada foi o Jorge. Foram os Artistas Unidos que agora continuaram o trabalho. Por isso foi altamente transformador e continuará a ser se lhes for permitido continuar. Agora está tudo em risco de desaparecer outra vez.
[00:20:10] Speaker A: Veremos, não é Rita? Veremos.
[00:20:12] Speaker B: Sim, acho que temos todos que nos bater por eles.
Porque o trabalho, não é por eles pelo nome, ou por eles por o Jorge Silva e a Mel ter sido importante, é pelo trabalho que é feito e que se desaparecer, somos nós todos que perdemos, que deixamos de ter acesso.
[00:20:26] Speaker A: Sim, até porque ele deixou a obra, não é?
E é isso que interessa, importa preservar e dar continuidade.
[00:20:32] Speaker B: E não só a obra, mas a maneira de fazer. Porque a equipa, eles se chamam Artistas Unidos, não é? E o Jorge.
Apesar de ser o chefe-chefão e até quando ia mudar uma fechadura ele queria lá estar, passou a pasta, soube passar a pasta, por isso, na pessoa do Pedro Carraca, do João Meireles, do António Simão, da Andrea Bento, que é a responsável pelos livrinhos de teatro e pela continuação dos livrinhos de teatro, esse trabalho continua a ser feito e continuará. Nós só precisamos é de lhes dar condições para eles poderem continuar.
[00:21:01] Speaker A: E a Rita lá continuou com o seu percurso profissional para si. Só faz sentido se fizer teatro de forma intensa, interpretando autores muito fortes, como Shakespeare, por exemplo.
[00:21:14] Speaker B: Não, eu gosto de fazer tudo. Também gosto de comédia.
[00:21:17] Speaker A: Mas gostou muito de fazer a Julieta, não é? Marcou a... É, mas foi um trabalho dificílimo.
Até disse que lhe deu um grande arcabois.
[00:21:25] Speaker B: Deu-me um grande arcabouço. É um trabalho difícil e Shakespeare é sempre difícil porque é complexo, porque é complexo na maneira intrincada como ele põe a informação lá dentro, ao mesmo tempo muito simples, ou parece muito simples, mas ao analisar é muito difícil e a rima é emparelhada, ou seja, a maneira de dizer é muito específica e é preciso ter imenso cuidado com as divisões das frases, a maneira como se fecham os finais, a divisão das ideias, ou seja, uma pessoa tem que fazer um trabalho.
de promenor com o texto, exímio, para depois poder ir para palco e dizer aquilo como se nada fosse. Mas o trabalho prévio é imenso.
E a Julieta, era eu a fazer uma miúda de 14 anos, apaixonada, que se mata, só assim, levezinho, mesmo que fosse um texto contemporâneo, levezinho já não era.
E depois, a encenação de Luís Moreira inverteu o espetáculo. Ou seja, começava pelas mortes, E depois fazia-se um caminho até à esperança, até à cena da varanda em que ela promete o amor e quando já todos sabemos que ela vai morrer. Ou seja, aquilo trazia imensas questões dicotómicas lá dentro, dentro da própria personagem. Mas foi um desafio maravilhoso, eu adorei fazer.
Foi uma escola também.
Assim, quando os desafios são muito grandes, são escola. Como a vida de artistas, que foi o último trabalho que fiz com o Jorge, também foi uma escola.
[00:22:49] Speaker A: E até que ponto é que essa escola, essa experiência serve depois para projetos de construção?
[00:22:56] Speaker B: Ah, é essencial. É essencial, fica connosco.
[00:22:58] Speaker A: Por muito diversos que sejam, não é?
[00:22:59] Speaker B: Disse ao Luís Moreira, quando o Jorge Silamel me propôs, ele ligou-me e disse, queres uma femme fatale? E que ele não é nada uma femme fatale, é uma mulher super partida. Mas eu disse, quero! E foi ter com o Jorge e conversámos, e ele mostrou-me um texto, e era um texto como eu nunca tinha feito, ou seja, aquilo era uma protagonista de um espetáculo em que todas as cenas giravam à volta dela, num dos palcos mais importantes de Lisboa.
Aquela foi o presente que ele me deu.
Nós não sabemos que era o fim de vida, mas foi um presente que ele me deu. E eu disse a Luís Moreira, na altura, profunei-lhe a avisar que o Jorge me tinha convidado e disse assim, Não, não, mentira. Foi depois da estreia. Eu disse-lhe, se não tivesse sido o Romeo e Julieta, que fizemos juntos, se calhar eu não teria os instrumentos que precisa de ter para fazer este.
E essa noção, não é, de que cada trabalho nos forma, nos ensina, nos põe num sítio de superação. Quando vamos fazer uma coisa?
nesta vida do teatro, nós não sabemos se somos capazes de a fazer. Propomos.
Ou seja, propomo-nos a fazê-la com toda a nossa bagagem.
[00:24:12] Speaker A: Mas por muito bem preparados que se sintam...
[00:24:16] Speaker B: Quando é um grande desafio, não sabemos.
Quando é um grande desafio... Se me derem um papel para eu ir entregar uma carta a um ator e dizer uma frase e virem embora, eu sei que estou preparada para o fazer.
Mas quando me dão um papel, em que eu tenho um nível de responsabilidade grande, eu não sei como é que eu vou fazer aquilo, não é? Vou descobrir a fazer.
Vou confiar que consigo, não é? Vou confiar que tenho os instrumentos técnicos, intelectuais, artísticos para o fazer, mas não sei.
E como é que eu descubro? Fazendo. No teatro descobre-se tudo a fazer. Não há ninguém, nenhum encenador, nem nenhum ator, que pegue num texto e diga, epá, li isto, que maravilha, já sei como é que vou fazer. Não existe.
[00:25:00] Speaker A: A Rita assume que a sua mania mais estranha é falar sozinha.
O automóvel costuma ser um bom ouvinte, pelo menos não contesta.
[00:25:11] Speaker B: Sim, o automóvel às vezes é sítio de... Eu não falo só sozinha no automóvel.
Falo sozinha em muitos sítios. Falo sozinha em casa.
Acho que só a andar na rua é que não falo sozinha.
Mas às vezes bato texto a andar na rua com os fones a bater texto. Mas no automóvel, sim. No automóvel eu falo muito sozinha. Revejo situações.
Preparo-me.
Por exemplo, vou ter que ter uma conversa difícil, ou vou ter uma reunião, ou vou ter... Tenho que pensar alto, não é? Pensar alto, para mim, é muito natural.
[00:25:45] Speaker A: E aproveita enquanto conduz.
[00:25:47] Speaker B: E enquanto conduz faço isso muito. E eu fiz... a minha última fase de grande condução, ou de grandes períodos de condução, foi quando trabalhei em Coimbra.
E aí vinha várias vezes por semana. E são aquelas duas horinhas. Depois uma pessoa já a fazer várias vezes. Há o perigo de ficar em piloto automático, não é? Mas aí tinha imenso isso. Tinha imensa coisa de ir a organizar o que é que eu ia para lá fazer. E quando vinha, normalmente vinha para outro trabalho, também vinha a organizar. A falar sozinha, mas a pensar. E também ouço imensa música.
[00:26:18] Speaker A: Fazia uma grande viagem de carro que gostasse de fazer? Em lazer?
[00:26:23] Speaker B: Eu faço muitas viagens de carro. Grandes.
Gostava de voltar à Itália de carro. Já fui. Mas gostava de fazer a Toscana toda.
Andar por lá a passear. O carro dá-nos uma grande liberdade.
apesar de ser um veículo pouco sustentável em geral.
Também tenho um elétrico, mas também tenho um combustível pesado, que é o que eu uso para a minha independência cidadina. Eu uso muito transportes públicos, mas uso o meu Toyota Yaris, velhinho e irredutível, nunca falha. Não é assim, é um carro que eu felizmente, agora vou dizer isto, saio daqui e acaba a bateria.
Não, mas tenho um elétrico que nos permite, a primeira viagem que nós fizemos com o elétrico foi espetacular.
que viemos, fizemos Lisboa-Porto, ficámos no Porto, depois fizemos até à Corunha, depois fizemos até Santiago, fizemos Santiago de Compostela, depois fizemos São Sebastião, depois atravessámos até Barcelona e depois fomos até à Garrocha e fizemos Estrada de Serra, tudo isto planeando com os carregamentos, porque as pessoas complicam imenso e acham que é difícil ir fazer viagens longas com o carro elétrico.
Mas não é. É só uma questão de uma pessoa encaixar nos carregamentos rápidos uma refeição e está feito.
O que separarmos com crianças, parece sempre mais do que 40 minutos para uma refeição, já dá para continuar.
E gosto muito. Acho que é essa coisa da ideia da energia limpa, que não é verdade, totalmente, mas para lá caminharemos, espero. É uma coisa que me sossega.
[00:28:03] Speaker A: Rita, que novos projetos é que têm neste momento?
[00:28:07] Speaker B: Estou a começar os ensaios, já fizemos duas residências artísticas do dueto duelo, que é um espetáculo musical, que também é a primeira vez que faço. Lá está, já há outro desafio que eu também não sei como é que eu vou desembrulhar, mas estou a adorar o processo.
E é uma banda jazz em cena.
Temos um contrabaixo, uma bateria e um pianista maravilhoso que também é o compositor, que é o Vasco Pimentel.
Um jovem de 30 anos genial, absolutamente genial.
E o Ricardo Vastrindade e eu, e a Mariana Rebelo, que também é uma cantora maravilhosa, atriz e cantora. E nós vamos pôr um casal desavindo em cena no seu restaurante habitual.
E a empregada do restaurante, barra dona, barra oradora, barra oráculo, barra terapeuta, vai...
mediando aquela discussão com vocabulário entendido, vocabulário de psicóloga. Uma das coisas que fizemos no processo criativo foi uma terapia de casal fictícia e é muito engraçado observar um casal, que é uma coisa que todos nós conhecemos, que faz parte da vida, como um sistema.
com determinados desequilíbrios, mas com proposta de procedimento para gerir os desequilíbrios. Então é muito engraçado se nós olharmos para um casal que tem um problema e nos afastarmos e gerirmos aquilo como se fosse um projeto, basicamente.
E eu acho que sem perder o que é a naturalidade de um casal, as idiosincrasias, o amor, a discussão, a irritação, o fascínio, também tentarmos dar nome às coisas.
e com algum humor e música é isso que vamos tentar fazer.
[00:29:55] Speaker A: Oh Rita, muito obrigado por ter vindo para esta conversa.
[00:29:57] Speaker B: Obrigada eu.
[00:29:59] Speaker A: E obrigado por estarem desse lado. Podem seguir-nos no Spotify, Soundcloud e Apple Podcasts e nas redes sociais do SAP.