Episode Transcript
[00:00:06] Speaker A: Bem-vindos a mais um podcast do Autonómico do Portugal. Hoje temos como convidado Diogo Sarayva e Sousa, ex-empresário e com um percurso profissional que marcou bastante os anos 80 em Lisboa. Diogo Sarayva e Sousa, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite.
[00:00:21] Speaker B: De gosto.
[00:00:23] Speaker A: Esteve muito ligado à noite de Lisboa nesta época, portanto nos anos 80, mas vamos recuar um bocadinho antes, dez anos antes. porque no início dos anos 70 foi sócio da Boate Stones, que foi um lugar muito emblemático da cidade de Lisboa.
[00:00:44] Speaker B: Exatamente, foi. Eu, simultaneamente, enfim, não era exclusivo que eu era sócio do Estudo, tinha outras atividades, inclusive até fiz o serviço militar nessa altura também. Mas realmente foi uma... Éramos três sócios de início. Era o Manecas Musseleck, o nome Musseleck não existe, é Kellecom, mas lida ao contrário da Musseleck. E o Jorge Cayado e eu éramos os três sócios de início, não é?
E foi de 1970 até 1975.
[00:01:22] Speaker A: Era uma casa muito emblemática, não era?
[00:01:25] Speaker B: Era uma casa pequena, mas teve bastante sucesso. Eu estava ligado muito ao mundo da música e programas de rádio e, portanto, no fundo, A minha função ali era mais fornecedor e carregado da música do que propriamente da gestão da boate. Isso era mais o anecas.
[00:01:45] Speaker A: Avançando 10 anos, portanto, e vamos entrar na época que é o tema, no fundo é o tema desta nossa conversa, os anos 80, estávamos em 1981, é inaugurado o Banana Power, mais conhecido como Bananas, e em que o Diogo Saraiba e Sousa uma vez mais se associou.
[00:02:06] Speaker B: Bem, fazia parte da sociedade. Eram mais sócios e eu seria um deles. Aliás, eu não era sócio direto, era sócio através de uma empresa que tinha uma posição de 40%. Eu fazia parte dessa empresa. E também teve bastante sucesso essa boate.
[00:02:23] Speaker A: E o Bananas foi um balão de oxigênio na época, não é? Para uma sociedade ávida de se descontrair depois do 25 de Abril.
[00:02:31] Speaker B: Sim, realmente aquilo teve que ter sido na altura certa.
[00:02:33] Speaker A: É que inaugurou na altura certa.
[00:02:35] Speaker B: Será sido na altura certa. Nós passámos de um estabelecimento noturno pequeno, que os stones eram muito pequenos, para o Bananas, que era uma coisa enorme.
Que havia, eu não digo 10 vezes, mas 5 vezes mais gente do que no setembro. Mas estava sempre cheio. Realmente, tanto um como o outro, graças a Deus que correram bem.
[00:02:57] Speaker A: Há pouco estava a falar da sua ligação mais ao aspecto da música. Naquela altura, quem estava ligado a casas de diversão noturna era um problema conseguir obter os grandes êxitos musicais que passavam no resto da Europa e nos Estados Unidos.
Mas vocês, sócios do Bananas, tiveram, arranjaram logo uma solução, não foi?
[00:03:21] Speaker B: A solução, aliás, como disse, eu era o responsável da parte da música. E no fundo eu tinha paixão pela música, ainda tenho, não é? Mas no fundo eu valia-me um pouco de amigos meus, ou que viviam lá fora ou que trabalhavam na TAP e que me traziam os discos que eu pedia. Eu fazia as listas do que queria, assinava as revistas, o Billboard e o New Music Express, E, no fundo, estava sempre a par das músicas que estavam... Das novidades. Das novidades, não é? Era através desses meus amigos que eu conseguia arranjar os discos. Aliás, discos que não havia, às vezes, não havia a possibilidade de ires comprar cá em Portugal. Eu cheguei a emprestar para o Valentim de Carvalho um ou dois discos para eles.
Não digo editarem, mas, enfim, o Donovan, por exemplo, recorda-me ter emprestado ao Valentino Carvalho discos do Donovan que eles não haviam caído em Portugal e já haviam um sucesso mundial.
[00:04:19] Speaker A: Mas chegava-lhes mais tarde, não era?
[00:04:21] Speaker B: É natural. Está claro que eu sabia quando é que saíam e saíam e vinham na mesma semana que saíam, não é? Portanto, era difícil em termos de, para o Valenda e Carvalho e outras empresas, terem os discos logo de imediato. E nós, nesse aspecto, estávamos mais acima do acontecimento.
[00:04:42] Speaker A: A decoração do Bananas foi muito inspirada na... no disco O Sound e no filme Saturday Night Fever, do John Travolta. E a decoração também esteve a cargo de uma figura muito importante na época, não foi?
[00:04:57] Speaker B: A Grácia Viterbo foi a decoradora do Bananas. No Stones não, não foi ela. No Bananas foi ela e foi realmente uma obra grande. Talvez tenha sido das maiores obras que ela fez.
em termos de estabelecimentos comerciais. Obviamente que fez hotéis e casas particulares, mas assim, em boatos, estou convencido que terá sido maior que aquela fecha.
[00:05:23] Speaker A: Enfrequentava o Bananas...
Tenho ideia se se alinhava com a estética da altura, o tipo de roupas, a forma de se apresentarem, ou não. Pelo contrário, o Bananas sempre foi muito mais frequentado pelos chamados Betinhos, que aliás foi uma expressão que também surgiu naquela época.
[00:05:45] Speaker B: Sim e não. Quer dizer, havia de tudo. mas eu não posso dizer que fossem só betinhos. Havia também betinhos, obviamente. Mas, enfim, lá está. Como o Bananas era um barato muito maior do que o Stones, havia uma clientela muito mais alargada e, portanto, havia para todos os gostos.
[00:06:08] Speaker A: Já aqui falámos que nos estamos a referir a uma época que, logo a seguir ao 25 de Abril, uma sociedade era conservadora, Mas no aspecto de socializar, justamente com a abertura das boates, destas discotecas maiores, que principais mudanças é que acha que houve, que aconteceram, no aspecto das pessoas sociabilizarem naquela época? Entrando numa década que foi muito transformadora, os anos 80, de que forma é que as pessoas começaram a sociabilizar?
[00:06:42] Speaker B: Enfim, não tenho... uma resposta muito concreta a dar-lhe nesse aspecto. Eu acho que foi uma evolução natural. Houve, obviamente, muitas influências vindas do estrangeiro, pessoas que talvez viajassem mais, havia mais estrangeiros também a frequentar. Portanto, quer dizer, houve uma evolução natural.
Aliás, a sociedade portuguesa nessa altura teve uma evolução muito significativa e, portanto, atingiu também a parte da noite, ligada ao mundo da noite.
[00:07:21] Speaker A: Seria inevitável que isso acontecesse. E acha que os anos 80 também revolucionaram a forma como passámos a ouvir música do modo jaul, já não referindo à seleção, ao cuidado e à atenção que tinham em escolher as músicas, os êxitos, para passarem no bananas. A forma como os portugueses passaram a ouvir música também mudou, não foi? Com esta nova época.
[00:07:47] Speaker B: Ora bem, eu fazia parte de um programa de rádio, no Rádio Clube, que era o E Orbita, que foi um programa muito famoso e ganhou vários prémios, inclusive prémios internacionais. que era dirigido principalmente pelo Jorge Gil, já falecido, Pedro Albuquerque também já falecido, João Manuel Sander também já falecido, José Manuel Violente também já falecido, só resta eu e José Luís Magalhães Pereira, dá-me a impressão, do resto já faleceram todos. E éramos um grupo de pessoas ligado rhythm and blues ou jazz e as músicas da época. E esse programa teve muito sucesso e foi, de certo modo, essa ligação que eu tinha com a rádio que me levou também a estarem ligados à parte da música nas boadas. Porque, no fundo, como eu disse de início, tinha mais a função de ser tratada a música do que propriamente da gestão da boada.
[00:08:53] Speaker A: Então esses programas de rádio também ajudaram, provavelmente, à mudança de hábitos em termos de música.
[00:09:00] Speaker B: Exatamente.
[00:09:01] Speaker A: As pessoas ouviam e iam acompanhando.
[00:09:03] Speaker B: Nessa altura a rádio ainda tinha uma grande importância comparada com o que tem agora, que agora é televisão, televisão, televisão. E antes não seria tanto a televisão, seria também a rádio, no que diz respeito à parte musical.
[00:09:16] Speaker A: Os anos 80 estava tudo ainda por fazer, houve espaço para tantas novidades.
Por exemplo, logo a seguir, um ano depois do Bananas, em 82, abre outro bar emblemático na cidade, que foi o Frágil. Depois vieram os restaurantes que também marcaram bastante o bairro alto. O que é que naquela altura estava em termos gastronómicos? O que é que nos anos 80 estava na moda comer? As pessoas procuravam restaurantes para quê, em termos de gastronomia?
[00:09:47] Speaker B: Ainda não havia. Enfim, eu furi aqui agora pelos estrelas do Michelão. Michelé.
Obviamente que as Estrelas Michelin revolucionaram um pouco a gastronomia, pelo menos nos tempos atuais. Nessa altura pouco importava. Praticamente era desconhecido da grande maioria do público. Já dou um recorde de quando é que começaram, o Guia Michelin quando é que começou, mas nessa altura tinha pouco significado, pelo menos em Portugal. Agora é diferente. E, portanto, não se pode dizer que nessa altura os pratos internacionais de cozinha francesa fossem importantes. Seria talvez mais uma gastronomia mais portuguesa do que propriamente internacional.
[00:10:40] Speaker A: Mas feita com qualidade, obviamente.
[00:10:42] Speaker B: Feita com qualidade. Mas eu recordo-me que nós, eu e os meus amigos, éramos adeptos de restaurantes típicos portugueses. Bairro Alto, um exemplo que já acabou, que era o Papa Sorda, que depois deu origem a outros restaurantes, mas era um dos restaurantes famosos e, obviamente, cozinha portuguesa.
[00:11:07] Speaker A: E o Diogo Saraiva e Sousa foi trilhando o seu percurso profissional em outras áreas. Esteve também ligado ao negócio das bebidas, onde se passou uma coisa muito interessante que foi... Na época foi um grande golpe publicitário que envolveu um conhecido treinador de futebol. Quer contar-nos essa história?
[00:11:31] Speaker B: Eu era diretor de vendas da Sigram, nessa altura, que tinha várias marcas portuguesas também, não eram só estrangeiras, mas várias marcas portuguesas, uma delas era a Macieira. E o Erickson era o treinador do Benfica, e por acaso não fui eu pessoalmente que tratei desse contrato, embora tenha acompanhado-os regularmente, E foi um contrato que teve imenso sucesso, que era o boné Macieira, que ele usou e que depois toda a gente usava. Aliás, nós produzimos, a Macieira produziu imensos bonés, mas há as tantas à porta dos estádios havia à venda não só os nossos, como milhares de outros bonés feitos, não sei, por terceiros que também vendiam. Portanto, no fundo, ao princípio nós ficávamos um bocado hesitantes se deveríamos processá-los ou não, mas chegámos à conclusão que no fundo era publicidade gratuita para nós, nos customávamos de estar a produzir mais bonés porque eles apareciam já produzidos e foram vendidos às milhares, não digo milhões, Mas.
[00:12:41] Speaker A: Como é que foi feita essa parceria entre a empresa e o Erickson?
[00:12:45] Speaker B: Eu confesso que já não me recordo de quem teve a ideia. Quem liderou esse processo foi o José Joaquim Machado Leite, que era o diretor-geral da empresa, e que foi ele que liderou o processo. Embora eu tenha acompanhado, mas foi realmente uma... foi engraçado aquilo. Foi bem sucedido.
[00:13:06] Speaker A: Em 1985 são construídas as torres das Amoreiras, que na época foram consideradas como uma parulice kitsch. Acho é que Lisboa estava preparada naquela época, em meados dos anos 80, para colher um tipo de arquitetura como as Amoreiras.
[00:13:26] Speaker B: Foi uma surpresa, mas não há dúvida que o arquiteto de Mastaveira teve um sucesso, porque realmente ele fez aquilo que ao princípio as pessoas podiam, enfim, rejeitar ou ficar surpreendidas. Mas o que é certo é que, passado uns anos, está perfeitamente aceito e neste momento não é nada extraordinário. Mas na altura foi. Realmente na altura foi uma surpresa para muita gente a arquitetura que ele desenvolveu. e as obras que ele fez.
[00:13:57] Speaker A: Esse espanto e até esse torcer de nariz, se pode dizer, denotava ainda, apesar de já estarmos em meados dos anos 80, ainda algum conservadorismo por parte dos portugueses, mas, por exemplo, nós achávamos muito a piada ou o humor do Herman José, que também nada tinha sido feito até àquela altura daquela forma, como ele fez, e toda a gente achava imensa graça.
[00:14:27] Speaker B: Foi revolucionário, dá dúvida. E, aliás, continua, ainda não parou. A graça não perdeu a graça, despelo contrário. Enfim, foi evoluindo, foi alterando um pouco, mas continua a ser uma pessoa com... Eu, mais tarde, saí da SIGREM e fui diretor dos casinos do Algarve. Acabei até como Presidente dos Casinos de Algarve. E, nessa altura, também tinha a minha responsabilidade à parte dos espetáculos. E deve ter sido das pessoas que contratei o Herman e o Nicolau Breiner durante mais tempo. Fiz contratos com eles uma semana, que era uma coisa que eles normalmente não tinham. Tinham contratos diários, de dois ou três dias. Depois eu cheguei a fazer contratos de uma semana com o Herman e com o Nicolau Breiner. O senhor fez e o senhor contete. E, nessa altura, o Herman era um júnior, era realmente um júnior. O Nicolau era, de certo modo, não digo o pai da coisa, mas era o mais velho e, portanto, obviamente, aquela parelha foi fantástica. E foi o início de... Foi revolucionário. Aqueles dois foram fantásticos. Eu era muito amigo do Nicolau Breiner e também do Herman e, portanto, acompanhei e senti que realmente aquilo foi fantástico. Foi um dos contratos com sucesso e aquela parelha teve imenso sucesso, aliás.
[00:15:58] Speaker A: E nessa época o que é que mais apreciou, na década de 80? A televisão a cores, que apareceu em 1980, a entrada de Portugal na CEE ou a chegada do multibanco?
[00:16:10] Speaker B: Eu acho que a entrada na CEE foi talvez o mais significativo. O multibanco, enfim, Mas era uma evolução normal, não é?
[00:16:20] Speaker A: Era, mas era absolutamente, era moderníssimo.
[00:16:23] Speaker B: Aliás, Portugal é um dos países na Europa que tem mais multibancos. O acesso ao multibanco em Portugal está muito vulgarizado e há países que não estão tão evoluídos como nós. Mas eu creio que a entrada na CEF realmente teve muito significado para Portugal e para a evolução da sociedade portuguesa e da economia.
[00:16:43] Speaker A: E de facto, olhando para o seu percurso, e sempre a abraçar novos projetos, pode dizer-se que o último foi a sua ligação a uma marca de gelados 100% nacional?
[00:16:56] Speaker B: Sim, isso já foi depois de eu me reformar do Mundo das Bebidas, que eu depois da Sigram, tive também como diretor-geral da United Distillers and Blending, e depois criei uma empresa que era a São Magno, que foi vendida a Pernod Ricard e, portanto, reformei-me em 1985, já confesso que ainda me lembro. O que é certo é que depois de me reformar da Pernod Ricard, aceitei um convite do Jaime Lacerda para colaborar com a filha dele no lançamento de uma marca de gelados que só tinha uma loja pequena e então ajudei a Luísa a fazer essa marca. Começámos com uma loja, depois fomos abrindo e depois, enfim, em 89 retirei-me definitivamente. Mas, portanto, foram 10 anos em que eu estive a acompanhar a artesania e quando saí já tínhamos 10 lojas, no fundo.
[00:17:56] Speaker A: Ó Diogo Serra, meu souso, muito obrigado por ter aceitado o nosso convite uma vez mais.
[00:18:01] Speaker B: Muito obrigado.
[00:18:02] Speaker A: E aos seus olhos dar um bocado a conhecer a quem nos acompanha, como era a Lisboa dos anos 80. Obrigado por estarem desse lado. Podem acompanhar-nos no Spotify, Soundcloud, Apple Podcast e nas redes sociais do ACP.